Tempo de leitura: 10 minutos.

A infecção do trato urinário (ITU) é definida pela presença de patógenos no trato urinário, normalmente estéril. Essa situação clínica está entre as infecções bacterianas em adultos mais comuns, principalmente em mulheres.

Classificação

A infecção do trato urinário pode ser dividida de acordo com a região afetada, sendo classicamente descrita como alta (afetação renal e dos ureteres) ou baixa (acometimento vesical e da uretra). Além da classificação anatômica, as ITUs podem ser descritas como complicadas ou não complicadas.

Ademais do que foi mencionado acima, é importante dominarmos os conceitos de infecção recorrente do trato urinário (ITUr) e bacteriúria assintomática.

Epidemiologia e etiologia

A ITU mais comum durante o atendimento clínico é a cistite, caracterizada pela colonização bacteriana da bexiga. O sexo feminino está mais propenso a desenvolver infecção de vias urinárias e o principal motivo para isso é a anatomia feminina, no qual apresenta uma uretra de menor tamanho e de maior proximidade à região anal. À medida que a idade chega, as infecções urinárias tornam-se tão comuns em homens quanto em mulheres.

A ITU resulta da interação de fatores biológicos e comportamentais do hospedeiro e da virulência do micro-organismo. Durante o período pré-menopausa, os fatores comportamentais, tais como frequência das relações sexuais, o número de parceiros, novos parceiros e o uso de espermicida, predominam e favorecem o surgimento da infecção do trato urinário. O antecedente prévio de ITU em idades menores a 15 anos também aumenta as chances de desenvolver novos quadros. Já em mulheres no período pós-menopausa, os fatores de risco se alteram e passam a incluir a deficiência de estrogênio, diminuição de lactobacilos vaginais, prolapso da parede vaginal anterior (cistocele), cirurgia urogenital, volume residual pós-miccional elevado e ITU prévia. Entre os fatores genéticos, destacam-se o histórico familiar de ITU recorrente e a presença de mutações do gene CXCR1, que codifica o receptor de interleucina-8 e confere menor imunidade e maior susceptibilidade às ITUs.

Ademais dos fatores de risco mencionados no paragrafo anterior, os fatores obstrutivos, como a hiperplasia prostática, litíase renal e anormalidades anatômicas; os fatores anatômicos funcionais, como por exemplo o refluxo vesicouretral e bexiga neurogênica; a presença de corpo estranho, como no caso do cateter vesical de demora, nefrostomia e duplo J; e condições clínicas, tais como higiene íntima precária,  gestantes, portadores de diabete miellitus, manipulação cirúrgica recente do trato urinário e transplantados, também aumentam o índice de infecção das vias urinárias.

O principal agente etiológico envolvido no surgimento de ITU é a Escherichia coli, sendo responsável por cerca de 80% de todos os episódios de infecção. O Staphylococcus saprophyticus, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis, Citrobacter e Enterococos também podem causar infecção do trato urinário, porém são incomuns.

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado inicialmente através de uma boa história clínica e exame físico detalhado. Mulheres com disúria e polaciúria, sem vaginite, o diagnóstico de ITU é feito em 80% dos casos. Já nos casos em que há presença de febre, sensibilidade ou dor em região lombar (sinal de Giordano positivo), é sugestivo o comprometimento do trato urinário superior.

O exame de sedimento quantitativo ou cultura de urina não é recomendado em todos os casos, pois se torna dispensável devido a natureza previsível das bactérias causadoras. Sendo assim, recomenda-se o exame de urina somente nos casos de ITU recorrente, na presença de complicações associadas e na falha do tratamento inicial.

Os principais achados no exame de urina são:

Exame de urina

Para a realização do exame de urina, o médico deve instruir o paciente a coletar a amostra da maneira que produza uma menor contaminação possível. Dito isso, o paciente deve executar uma boa higiene do trato geniturinário, para então coletar a amostra. Recomenda-se descartar o primeiro jato de urina e coletar o segundo, tendo como objetivo minimizar a contaminação. O ideal é obter a primeira urina da manhã, pois apresenta uma maior concentração de patógenos nesse horário. No entanto, em muitos casos isso não é possível, e o preconizado passa a ser a coleta de qualquer horário do dia, desde que tenha um intervalo de, pelo menos, duas horas em relação a micção anterior. 

Pacientes internados, incapazes de recolher a sua própria urina, a coleta da amostra deve ser realizada mediante sonda vesical, seja ela de alivio ou de demora. Nesses casos, os valores de referência das amostras coletadas por sonda vesical apresentam critério de diagnóstico distinto, mostrando leucocitúria a partir de 10² UFC/ml. Importante mencionar que quando retiramos uma amostra de urina de um paciente com sonda vesical de demora, os profissionais da saúde devem repassar um novo dispositivo, com o intuito de evitar contaminação por algum germe colonizador da sonda previamente instalada.

Quadro clínico

A semiologia urinária é composta por inúmeros sintomas, dos quais os mais frequentes na infecção do trato urinário baixo são a disúria, estrangúria, dor suprapúbica, polaciúria e urgência miccional.

As infecções do trato urinário alto, em sua grande maioria, apresentam sintomas sistêmicos, como por exemplo febre, calafrios a até mesmo alteração do estado mental. O desconforto lombar é um achado frequente nesses casos (Sinal de Giordano). Um fato interessante é que não é obrigatório a presença de sintomas irritativos urinários para confirmar o diagnóstico de pielonefrite.

Tratamento

  1. Cistite aguda não complicada

O tratamento da cistite aguda não complicada consiste na antibioticoterapia empírica, preferencialmente em monodose ou curta duração (três dias), contudo, no sexo masculino, o tempo de tratamento tende a ser mais prolongado, atingindo 7 dias. A Fosfomicina, em dose única, e a Nitrofurantoína, quatro vezes ao dia, são os medicamentos de primeira escolha. O Sulfametoxazol-Trimetoprima e Cefalexina podem ser utilizados como segunda opção. Entre os benefícios do tratamento com dose única, podem ser mencionados a simplicidade, baixo custo, boa tolerabilidade, preferência dos pacientes, fácil adesão, baixa incidência de efeitos colaterais e menor risco de desenvolvimento de resistência aos antibióticos. O uso das fluoroquinolonas deve ser restrito as ITUs complicadas, e quando utilizadas, o Ciprofloxacino deve ser evitado, devendo ser empregado o Norfloxacino em seu lugar. Os betalactâmicos não são recomendados no tratamento das ITUs simples.

Se houver persistência de sintomas após a terapêutica empírica, indicamos formalmente a coleta de urocultura para identificar e direcionar ao patógeno específico.

2. Cistite por repetição

Diante do quadro de cistite por repetição, as primeiras medidas a serem tomadas são as não farmacológicas, pois aí pode estar a causa da repetição. Dito isso, o médico deve perguntar e orientar sobre as mudanças comportamentais, seja os hábitos sexuais ou higiene corporal; orientar que a paciente evite o uso de espermicida, pois esse método anticonceptivo causa danos as bactérias protetoras da região genital, favorecendo a colonização de bactérias uropatogênicas; e, se a mulher estiver em pós-menopausa, indicar a terapia estrogênica, uma vez que estimula a proliferação de lactobacilos no epitélio vaginal, reduz o pH e evita a colonização por uropatógenos.

O tratamento farmacológico é igual ao do tópico anterior, devendo o médico analisar se o medicamento utilizado na primeira vez está sendo eficiente ou não. Importante mencionar que a recorrência dos sintomas de cistite aguda em um período menor a duas semanas, não é considerado um novo episódio infeccioso, mas sim, uma provável persistência do quadro. Nessa situação, a avaliação por imagem pode ser solicitada. Outras situações onde o exame de imagem é bem visto é quando há isolamento da bactéria Proteus em culturas prévias, pois tem forte relação com nefrolitíase, além de histórico de litíase renal e hematúria persistente.

A antibióticoprofilaxia pode ser utilizada nesses casos com o objetivo de reduzir a recorrência. As três estratégias antibióticas utilizadas são a profilaxia contínua, profilaxia pós-coito e autotratamento intermitente pela paciente. A escolha do antibiótico deve seguir os padrões de resistência da comunidade, efeitos adversos e custo medicamentoso. Importante salientar que, se realizado de maneira correta, os métodos profiláticos apresentam uma eficácia de aproximadamente 95%.

3. Pielonefrite aguda

Primeiro ponto a se observar nos pacientes com quadro de pielonefrite é a necessidade de internação hospitalar. As indicações para internação hospitalar são:

Diferentemente do que ocorre na cistite aguda, na pielonefrite o exame de urina é fundamental, independentemente se o paciente recebe tratamento hospitalar ou ambulatorial. Contudo, o exame de imagem só deve ser solicitado nos casos de gravidade clínica à admissão, ausência de melhora clínica após 48-72 horas de antibioticoterapia direcionada e suspeita de obstrução urinária.

O tratamento medicamentoso é subdividido para os pacientes ambulatoriais e aqueles hospitalizados.

Nos pacientes em condições de tratamento ambulatorial, deve-se investigar, através de urocultura, a existência de uropatógeno multidroga resistente (UMDR). Se presente, ainda em ambiente hospitalar, a droga de escolha é Ertapenem, dose única, endovenosa, seguida de quinolona por 5 a 7 dias. Em casos em que não há presença de UMDR, ainda em ambiente hospitalar, a droga de escolha é Ceftriaxona, dose única, intramuscular ou endovenosa, seguida de quinolona por 5 a 7 dias. Dentre as quinolonas, o Norfloxacino deve ser utilizado preferencialmente em comparação com os demais da classe. Em caso de contraindicação às quinolonas, o Sulfametoxazol + Trimetoprima, Amoxicilina + Clavulanato, Cefadroxila e Cefalexina, por 10 a 14 dias, se torna as opções mais viáveis, lembrando sempre de adequar a antibioticoterapia conforme resultado de urocultura. A Nitrofurantoína não se utiliza na pielonefrite, pois apresenta baixa perfusão nos tecidos renais.

Nos pacientes hospitalizados, antes de instituir o tratamento medicamentoso, o médico deve, primeiramente, observar o nível de gravidade clínica do paciente. Se há sepse, devemos realizar um exame de imagem para descartar obstrução urinária e, após isso, realizamos a antibioticoterapia de amplo espectro com cobertura empírica para enterobactéria produtora de betalactamase de espectro estendido e Staphylococcus meticilina resistente (MRSA), sendo os carbapenêmicos + Vancomicina a antibioticoterapia de escolha. Se não há sinais de sepse, deve-se investigar, através de urocultura, a existência de UMDR. Se presente, o tratamento de escolha é carbapenêmicos + Vancomicina (se bactéria Gram-positiva). Entretanto, nos casos de ausência de UMDR, o tratamento passa ser com quinolonas ou Ceftriaxona + Vancomicina (se bactéria Gram-positiva). Nesses casos o tempo de tratamento deve ser de 10 a 14 dias.

É importante realizar urocultura de controle 7 dias após o fim do tratamento para confirmar a ausência de bacteriúria. Caso não haja melhora, deve-se reavaliar a possibilidade de obstrução das vias urinárias e/ou patologia genital. Em caso de retenção urinária, o cateterismo vesica se torna indispensável. 

Referência

Albert X, Huertas I, Pereiró II, Sanfélix J, Gosalbes V, Perrota C. Antibiotics for preventing recurrent urinary tract infection in nonpregnant women. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(3):CD001209.

Aydin A, Ahmed K, Zaman I, Khan MS, Dasgupta P. Recurrent urinary tract infections in women. Int Urogynecol J. 2015;26(6):795-804.

Beerepoot MA, Geerlings SE, van Haarst EP, van Charante NM, ter Riet G. Nonantibiotic prophylaxis for recurrent urinary tract infections: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Urol. 2013;190(6):1981-9.

Engel JD, Schaeffer AJ. Evaluation of and antimicrobial therapy for recurrent urinary tract infections in women. Urol Clin North Am. 1998;25(4):685-701.

Epp A, Larochelle A, Lovatsis D, Walter JE, Easton W, Farrell SA, et al.; Family Physicians Advisory Committee. Recurrent urinary tract infection. J Obstet Gynaecol Can. 2010;32(11):1082-90.

Franco AV. Recurrent urinary tract infections. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2005;19(6):861-73.

Grabe M, Bartetti R, Johansen TE, Cai T, Cek M, Koves B, et al. Guidelines on urological infections. EAU Guideline; 2015.

Haddad JM. Manual de uroginecologia e cirurgia vaginal. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2015.

Haddad JM, Fernandes DA. Infecção do trato urinário. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018.

Johnson, R.J. et al. Comprehensive Clinical Nephrology, 5th ed. Elsevier: 2015.

Lundstedt AC, Leijonhufvud I, Ragnarsdottir B, Karpman D, Andersson B, Svanborg C. Inherited susceptibility to acute pyelonephritis: a family study of urinary tract infection. J Infect Dis. 2007;195(8):1227-34.

Mulvey MA, Schilling JD, Hultgren SJ. Establishment of a persistent Escherichia coli reservoir during the acute phase of a bladder infection. Infect Immun. 2001;69(7):4572-9.

Rudenko N, Dorofeyev A. Prevention of recurrent lower urinary tract infections by long-term administration of fosfomycin trometamol. Double blind, randomized, parallel group, placebo controlled study. Arzneimittelforschung. 2005;55(7):420-7.

Zaffanello M, c, et al. Genetic risk for recurrent urinary tract infections in humans: a systematic review. J Biomed Biotechnol. 2010;2010:321082.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *