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A mononucleose infecciosa, conhecida popularmente como a doença do beijo, é uma enfermidade contagiosa causada pelo herpes vírus 4 (Vírus Epstein-Barr). Apresenta distribuição universal e pode ocorrer em qualquer faixa etária.

 A mononucleose infecciosa (MI) é causada por um agente pertencente à família herpesviridae, conhecido como vírus Epstein-Barr (EBV). Ao igual que ocorre nos demais vírus da família herpes, o EBV infecta o organismo e mantem-se latente, apesar da resolução clínica da doença.

A MI apresenta distribuição universal, destacando-se que a maioria das infecções ocorre nos primeiros três anos de vida. Contudo, existem casos de infecção em população mais velha, principalmente em países mais desenvolvidos. O processo infeccioso ocorre em ambos os sexos, sendo o pico de incidência para as mulheres, dois anos mais cedo do que para homens.

Após a transmissão, o vírus infecta o epitélio da orofaringe, mais precisamente o tecido linfóide do anel de Waldeyer e das glândulas salivares, sendo capaz de se manter em estado de latência por longos períodos e ocasionando a replicação viral de forma assintomática. As células infectadas são os linfócitos B de memória, linfócitos T e células NK.

Após infecção, o agente etiológico se propaga pela corrente sanguínea, aumentando a proliferação das células já infectadas, no qual culmina com o aumento do tecido linfoide em diferentes regiões do organismo. Além das células infectadas, há o surgimento de novos linfócitos T CD8 empenhados na destruição dos linfócitos infectados.

Em resumo, o vírus Epstein-Barr estabelece dois tipos simultâneos de interação com o organismo. A primeira delas é a infecção lítica e imortalização dos linfócitos B. Já a segunda interação é caracterizada pela infecção lisogênica dos linfócitos B, com produção de novos vírus e disseminação a outros indivíduos a partir da saliva, levando à persistência do DNA viral, estabelecendo assim quadro de infecção latente.

A mononucleose infecciosa é caracterizada por expressivo polimorfismo clínico, variando desde situações assintomáticas até quadros que podem evoluir para óbito.

Antes de iniciar a sintomatologia clássica, os pacientes portadores de MI podem apresentar um quadro prodrômico de fadiga, mal-estar e mialgia, uma a duas semanas antes da tríade característica da doença, composta por febre alta, faringite e linfadenomegalia. Além dos sintomas descritos anteriormente, os pacientes também podem apresentar outras manifestações, tais como artralgia, dor abdominal, esplenomegalia, exantema, hepatomegalia discreta, náuseas, vômitos e tosse. O sinal de Hoagland (edema periorbitário) e icterícia podem estar presentes, contudo, são mais raros.

A faringite costuma ser intensa, apresentando tonsilas hiperemiadas com exsudato membranoso cinco a sete dias após o inicio da doença. A linfadenopatia acomete várias cadeias de linfonodos, sendo os mais afetados a região cervical posterior. Os linfonodos são, com frequência, hipersensíveis e simétricos e não se mostram fixados aos planos profundos. A esplenomegalia pode durar de sete a 10 dias tornando o baço frágil e, consequentemente, suscetível ao rompimento, tornando-se uma das complicações da MI.

A idade do indivíduo influi diretamente nas manifestações clínicas da moléstia. A maior parte dos processos infecciosos por EBV em lactentes e crianças pequenas é assintomática ou apresenta-se sob a forma de faringite leve, com ou sem tonsilite. Já em pessoas mais velhas, o quadro pode apresentar-se de modo inespecífico, com fadiga, febre prolongada, mal-estar e mialgias. Faringotonsilite, linfadenopatia, esplenomegalia e linfócitos atípicos são raros nesta faixa etária.

O hemograma pode se tornar característico apenas após uma semana de doença, dificultando o diagnóstico nos momentos iniciais da apresentação clínica. Nos pacientes infectados com mononucleose infecciosa, o leucograma pode estar normal ou apresentar leucocitose, atingindo valores de 10.000 a 20.000 células/mm³, com predomínio de linfócitos. Um achado típico na MI, porém não patognomônico, é a presença de linfócitos atípicos, células de Downey ou imunócitos, em pelo menos 10% dos linfócitos totais. Además, pode haver também trombocitopenia moderada, com valores menores a 140.000 plaquetas/mm³. Esse quadro pode ocorrer em cerca de 50% dos casos nas primeiras quatro semanas de doença, mas raramente ocorre a formação de purpura.

Os testes de função hepática encontram-se discretamente alterados em mais de 80% dos casos, mesmo sem hepatomegalia e, em geral, entre a segunda e a terceira semanas da doença. As transaminases e a fosfatase alcalina estão discretamente elevadas. A concentração sérica de bilirrubina pode atingir valores superiores a 5 mg em 40% dos casos, apesar da icterícia ser infrequente. 

Os anticorpos não são essenciais para o diagnóstico, podendo ser pesquisados em situações em que a clínica e o hemograma não são suficientes. Os anticorpos heterófilos possuem baixa sensibilidade (85%) e alta especificidade (100%), contudo, eles vêm sendo substituídos pela pesquisa de anticorpos específicos para EBV.

A mononucleose infecciosa é uma enfermidade na maioria das vezes benigna e autolimitada, evoluindo para a resolução clínica em um a dois meses. Atualmente não há fármaco antiviral específico que atue adequadamente na terapêutica da MI, sendo a terapia sintomática a escolhida pelos médicos no tratamento dos casos não complicados.

Analgésicos, como o paracetamol, podem ser utilizados no controle da dor. O ácido acetilsalicílico deve ser empregado com cautela em pacientes com trombocitopenia importante, visto que o fármaco interfere na função plaquetária, aumentando potencialmente o risco de hemorragias. O repouso é indicado para pacientes com febre, mal-estar e mialgias. Pacientes com esplenomegalia devem ser incentivados a restringirem suas atividades físicas, pois apresentam risco de ruptura traumática de baço. Tal recomendação deve ser mantida por no mínimo seis semanas e/ou até a resolução completa do quadro clínico. O gargarejo com água e sal apresenta bons resultados no alívio da dor de garganta.

A terapia com corticosteroides não está indicada para os casos de MI não complicada, podendo predispor à infecção bacteriana secundária. Tais medicamentos devem ser utilizados em casos mais graves, tais como mal-estar intenso, risco de obstrução de vias aéreas por importante hipertrofia de tonsilas, trombocitopenia grave, anemia hemolítica autoimune, cardite, pneumonite intersticial linfóide, derrame pleural e edema cerebral.

Os antibióticos não têm qualquer valor na MI sem complicações. Todavia, muitos doentes mostram coinfecção por agentes bacterianos, devendo assim receber tais medicações. A ampicilina e a amoxicilina não devem ser prescritos, uma vez que podem desencadear erupção cutânea em infectados pelo vírus Epteisn-Barr.

O isolamento de pacientes com mononucleose infecciosa não é necessário, uma vez que a infecção pelo EBV é extremamente prevalente.

A síndrome de mononucleose, também conhecida como síndrome mono-like, é um quadro caracterizado por sinais e sintomas semelhantes a apresentação da mononucleose infecciosa, servindo como diagnóstico diferencial. Os principais agentes envolvidos para o surgimento da síndrome são o Citomegalovírus, Toxaplasma gondii, HIV e Vírus da hepatite B.

O citomegalovírus é transmitido por secreções de pacientes contaminados e a maioria das pessoas tem contato com o vírus durante sua infância. O quadro clínico geralmente é assintomático, mas algumas pessoas podem cursar com síndrome mononucleose-like. Há predomínio de febre altas nos pacientes e pode haver rash cutâneo, principalmente após a administração de antibióticos. Adenopatia, faringite e esplenomegalia são menos comuns quando comparados com a MI.

Os achados laboratoriais são semelhantes aos encontrados na mononucleose infecciosa. O paciente pode apresentar linfocitose com linfócitos atípicos e elevação de transaminases. O diagnóstico é realizado através da dosagem de IgM anti-CMV ou PCR para CMV.

A contaminação pelo protozoário toxoplasma gongii pode ocorre de distintas formas, sendo elas a ingestão de oocistos provenientes do solo e outros materiais contaminados com fezes de gatos infectados, ingestão de carne crua ou mal cozida contaminada com cistos, após transplante de órgão ou sangue de doador infectado e infecção transplacentária. A incubação varia de 5 a 23 dias.

Pacientes imunocompetentes apresentam, em mais de 80% dos casos, quadros assintomáticos. No entanto, alguns pacientes podem apresentar quadro de linfadenite toxoplásmica, caracterizado por linfadenopatia localizada, principalmente em cadeia cervical posterior, ou generalizada. Febre, mialgia, faringite e hepatoesplenomegalia podem estar presentem, porém são menos frequentes. A doença costuma ser auto-limitada, exceto em pacientes imunocomprometidos, nos quais pode acometer diversos órgãos e sistemas. Em gestantes, pode ocorrer transmissão vertical e causar diversos prejuízos fetais.

Os achados laboratoriais são semelhantes a MI, apresentando leucocitose com linfócitos atípicos e elevação de transaminases. O diagnóstico é realizado através do teste anti-Toxoplasma IgG e IgM.

A transmissão do vírus HIV pode ocorrer de algumas maneiras, tais como contato sexual desprotegido, contato com sangue contaminado e através do leite materno. O período de incubação médio varia de 2 a 6 semanas, podendo chegar até 12.

O sintoma mais comum é a febre, que normalmente não excede 38,9°C. Também pode haver rash cutâneo, fadiga, linfadenopatia, mialgia, náuseas e diarreia. Faringite, artralgias, perda ponderal, sudorese noturna e sintomas neurológicos são menos comuns, porém podem estar presentes. Pacientes com redução transitória dos linfócitos T CD4 < 200 μL podem apresentar infecções oportunistas concomitantemente.

Os exames laboratoriais mostram leucopenia, trombocitopenia e elevação de transaminases. Os linfócitos atípicos podem ou não estar presentes. O diagnóstico é realizado mediante testes específicos, tais como teste rápido, ELISA e Western Blot. O médico deve estar atento ao período de infecção, pois pode ocorrer falso negativo por consequência da janela imunológica.

Atualmente, o tratamento antirretroviral (TARV) é uma realidade no sistema único de saúde (SUS) e está disponível a todas pessoas dispostas a realizar o tratamento. O plano inicial consiste na ingestão diária de três medicamentos contidos em dois comprimidos. As drogas são tenofovir, lamivudina e dolutegravir.

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