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A doença de Graves é uma doença autoimune que se caracteriza por uma estimulação inadequada da glândula tireoide por autoanticorpos. É a principal causa de hipertireoidismo.Glândula tireoide e a síntese e secreção de hormonal tireoidianas.
- Glândula tireoide e a síntese e secreção de hormonal tireoidianas
A tireoide é uma glândula situada na região anterior do pescoço, especificamente na porção anterolateral da traqueia, logo abaixo da laringe. Em adultos, a tireoide pesa cerca de 10 a 20 gramas e possui um formato de borboleta, tendo dois lóbulos (direito e esquerdo) e o istmo.
A síntese hormonal tireoidiana começa no hipotálamo, a partir da secreção do hormônio liberador de tireotrofina (TRH). Esse hormônio é produzido a nível do núcleo paraventricular e liberado na corrente sanguínea, através dos vasos portais, sendo transportado até a adeno-hipófise. O TRH age estimulando a síntese do hormônio tireoestimulante (TSH), no qual irá se unir a seus receptores a nível da glândula tireoide para a secreção dos hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina (T4).
A síntese dos hormônios tireoidianos ocorre inicialmente através da coleta de iodeto, íon necessário para a biogênese do T3 e T4. O iodeto é coletado pelas células foliculares mediante a proteína NIS, um simportador sódio-iodeto, localizado na membrana basolateral. Esta fase culmina no transporte do iodeto até a face apical da célula, onde através da proteína pendrina, será secretado no coloide e oxidado por intermédio da proteína tireoperioxidase. Após o processo de oxidação ocorre a organificação, processo esse caracterizado pela união do iodeto oxidado as moléculas de tirosina presentes na tiroglobulina. A junção de um iodeto mais um radical de tirosina tem como produto o monoiodotirosina (MIT), já a união de dois iodetos mais um radical de tirosina tem como resultado o diiodotirosina (DIT). Ambas moléculas citadas anteriormente são formadas e permanecem na tiroglobulina, sendo precursores dos hormônios tireoidianos. À medida que o organismo necessita de tais hormônios, a proteína tireoperioxidase atua unindo o MIT e DIT em diferentes graus, formando assim o T3 e T4 principalmente.
Sob o estimula do hormônio TSH, ocorre a formação de pseudópodes na superfície apical das células foliculares, realizando um processo de endocitose do coloide. O material encapsulado entrará em contato com os lisossomas, onde mediante as enzimas proteases ocorrerá a quebra da união entre a tiroglobulina e tirosina, liberando T3 e T4 para a corrente sanguínea e reciclando o iodeto presente no MIT e DIT para que inicie um novo ciclo.
2. Doença de graves
2.1. Definição da doença
A doença de Graves, também conhecida como bócio difuso tóxico, é uma doença autoimune em que há produção de autoanticorpos contra o receptor de TSH (anti-rTSH). É a principal causa de hipertiroidismo no mundo e afeta principalmente mulheres entre 20 e 40 anos de idade.
A ligação e estimulação frequente dos autoanticorpos na glândula tireoide causam uma hiperplasia e hipertrofia folicular e, consequentemente, provoca um aumento na síntese das hormonas tireoidianas, bem como uma diminuição dos níveis hormonais de TSH por ação da autorregulação corporal.
2.2. Etiologia e fatores de risco
A causa propriamente dita da doença de Graves ainda não está totalmente elucidada, contudo sabe-se que os fatores genéticos e ambientais apresentam grande influência.
Embora qualquer indivíduo possa desenvolver a doença de Graves, existem fatores que aumentam a sua ocorrência, tais como:
- Histórico familiar: considerado um dos fatores de risco mais conhecidos, é a razão pelas quais os médicos acreditam que possam existir um ou mais genes que torna a pessoa suscetível à doença de Graves.
- Sexo: pessoas do sexo feminino são mais propensas a desenvolver a doença, pois apresentam maior exposição a estrógenos ou menor exposição a testosterona.
- Idade: 80% dos indivíduos apresentam a patologia de Graves durante a segunda e quarta década de vida. Em idades mais avançadas a incidência tende a baixar.
- Tabagismo;
- Estresse;
2.3. Manifestação clínica
As manifestações clínicas da doença de Graves podem ser divididas naquelas que são características do hipertiroidismo e nas específicas da doença. Além disso, idade, sexo e duração da doença também apresentam relação na sintomatologia.
Em pacientes jovens, os sintomas mais comuns são o nervosismo, fadiga, taquicardia ou palpitações, intolerância ao calor e perda de peso habitualmente com aumento do apetite. Contudo, em pacientes mais velhos (acima de 50 anos), pode-se apresentar somente com astenia e emagrecimento, por vezes acompanhadas de alterações cardíacas como a fibrilação auricular. Os doentes do sexo masculino podem apresentar queixas de ginecomastia e disfunção eréctil enquanto os do sexo feminino relatam irregularidades menstruais.
O receptor de TSH tem, na tireoide, sua principal concentração, mas pode ser encontrado em diversos outros tecidos. Dito isso, há algumas características que são típicas da doença de Graves devido à ação dos anti-rTSH.
A oftalmopatia é clinicamente evidente em cerca de 50% dos doentes e pode preceder, ser concomitante ou suceder o quadro tireotóxico. Nessa situação clínica o acometimento bilateral é mais comum e os casos unilaterais devem ser investigados, descartando a presença de tumor retro orbitário. Os sinais e sintomas dos pacientes incluem fotofobia, lacrimejo, edema periorbitário, diplopia, retração palpebral, exoftalmia, disfunção dos músculos oculares e até mesmo dor. A remissão do quadro de hipertiroidismo tende a solucionar a oftalmopatia, contudo, nos casos graves, a prednisona pode ser indicada.
A dermopatia tireoidiana localiza-se com maior frequência na região pré-tibial, contudo pode acometer outros locais, principalmente após um traumatismo. Os outros sítios afetados são tornozelo, dorso do pé, cotovelos e na porção superior do dorso e pescoço. Clinicamente pode-se observar um espessamento da pele desta região, com aspecto de casca de laranja. Acomete cerca de 1 a 2% dos pacientes com doença de Graves e quase sempre na presença de quadros avançados de orbitopatia.
Mais raras são as manifestações ósseas e as manifestações ungueais. A acropatia acomete cerca de 0,1 a 1% dos pacientes com a patologia de Graves e é caracterizada por baqueteamento digital. Não há acometimento articular nem aumento de temperatura local e geralmente está acompanhada das condições clínicas citadas anteriormente.
2.4. Diagnóstico
O diagnóstico da doença de Graves baseia-se nas manifestações clínicas, bioquímicas e, em alguns casos, exames de imagem. Quadro clínico muito sugestivo de hipertiroidismo associados a alargamento difuso da glândula e orbitopatia e/ou dermopatia tireoidiana pode facilitar e confirma o diagnóstico, no entanto, as dosagens dos níveis plasmáticos das hormonas tiroidianas não devem ser deixadas de lado.
2.4.1. Exames laboratoriais
No sentido de confirmar o hipertireoidismo, o médio deve realizar a dosagem dos valores séricos de TSH, T3 e T4 livres.
O hipertiroidismo tende a apresentar níveis de TSH reduzidos associados com o aumento dos níveis de T3 e T4, visto que o aumento, mesmo que pequeno, das hormonas tireoidianas induzem o feedback negativo, diminuindo a secreção do hormônio hipofisário. O hipertiroidismo subclínico pode ser observado em pacientes que apresentam valores de T3 e T4 dentro dos níveis normais, contudo exibem uma queda nos níveis de TSH.
Ademais, é também possível a utilização de testes laboratoriais que permitem identificar os anticorpos contra o receptor da TSH. Existem dois tipos de testes, um que detecta a ligação dos anticorpos ao receptor e outro que detecta a produção de AMPc se os rTSH forem estimulados por autoanticorpos.
2.4.2. Exames de imagem
Os exames de imagem raramente são necessários para fazer o diagnóstico de doença de Graves, embora possam ser úteis em algumas situações de dúvida.
A cintilografia com iodo radioativo pode ser usada para distinguir a doença de Graves, situação em que há uma grande captação, da tireoidite subaguda, onde a captação está diminuída. O padrão de captação da glândula também é útil para identificar um bócio difuso tóxico (captação heterogénea por toda a tireoide) ou um nódulo tóxico (captação localizada). Em situações em que não é possível utilizar a cintilografia, a ultrassonografia é uma opção interessante, pois avalia o fluxo sanguíneo glandular e isso pode ser correlacionado com o aumento da captação de iodo pela a mesma.
A tomográfica computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) do pescoço são empregadas nas situações onde existe outras sintomatologias associadas, principalmente presença de queixas de compressão nessa região.
2.5. Tratamento
2.5.1. Betabloqueador
Os betabloqueadores são utilizados na prática clínica, entretanto não são o tratamento da doença de Graves.
O uso de betabloqueadores, concomitantemente com os medicamentos antitiroideus, possuem efeitos benéficos no controle sintomatológico relacionado ao aumento do tônus adrenérgico, tais como tremor, palpitação e sudorese. Em geral, recomenda-se o uso de atenolol ou propranolol.
2.5.2. Tionamidas
As tionamidas são drogas capazes de reduzir a organificação do iodeto e associação do monoiodotirosina com a diiodotirosina, inibindo assim a síntese de T3 e T4.
O metimazol e o propiltiouracilo (PTU) são as tionamidas utilizadas no Brasil. O metimazol é a droga de primeira escolha, pois mostrou reverter mais rapidamente o hipertiroidismo, apresenta uma adesão superior por parte dos doentes e tem menor toxicidade em relação ao PTU. Entretanto, no primeiro semestre de gestação e na crise tireotóxica, o propiltiouracilo passa a ser a droga de escolha.
Existem dois regimes de tratamento adotados na clínica com respeito as tionamidas. O primeiro visa utilizar apenas antitiroideus com diminuição progressiva das doses, já o segundo utiliza antitiroideus em doses maiores e tiroxina (tratamento conhecido como block and replace). O último tratamento citado tem a vantagem de ser mais curto, exigir menos idas ao médico e controlar o eutireoidismo de maneira mais fácil. No entanto, o regime apenas com antitiroideus revelou a mesma eficácia e, por apresentar uma incidência menor de efeitos secundários, deverá ser a primeira escolha entre eles.
Após 6 a 8 semanas do início do tratamento, devemos reavaliar o paciente com exames de função tireoidiana (TSH, T3 e T4). Se o eutireoidismo for atingido, podemos reduzir a dose de forma gradual, com avaliações a cada 2-3 meses. Após 12-24 meses de tratamento, os pacientes em uso de baixas doses de tionamidas e com anti-rTSH negativo, podem interromper o uso da medicação. Indivíduos resistentes ao tratamento e que apresentam níveis de anti-rTSH positivos, devem manter a tionamida ou optar por outras modalidades terapêuticas. Os efeitos secundários das tionamidas estão relacionados em grande parte a processos alérgicos, especialmente cutâneos. O efeito colateral mais grave e, felizmente, o mais raro é a agranulocitose. Pacientes em uso de tionamidas associado com sintomas de febre, odinofagia e/ou úlceras orais, devem ter seus medicamentos suspensos e realizar um hemograma às pressas, pois podem apresentar neutropenia febril (neutrófilo < 1.000/mm³). A administração de antibiótico deve ser realizada como forma profilática.
2.5.3. Iodo radioativo
O tratamento com iodo radioativo (isótopo I¹³¹) é uma terapia eficaz, segura e relativamente barata. Consiste na administração de iodo radioativo por via oral, sendo esse absorvido pela glândula tireóidea, uma vez que se sabe que essa glândula possui forte atração por esse micronutriente. Ao ser incorporado na célula folicular, o iodo radioativo produz radiação beta, que induz um processo destrutivo, denominado tireoidite actínica. Após 4 a 6 semanas deve-se realizar a avaliação da função tireóidea dos pacientes.
Esse tipo de tratamento é recomendado a indivíduos que apresentam alto risco em realizar cirurgias e/ou anestesias, histórico prévio de cirurgia ou radioterapia cervical e aqueles pacientes com contraindicação às tionamidas ou falha em atingir eutiroidismo com tais medicações. A contraindicação deve ser realizada na gestação e aleitamento materno, pois ocorre destruição da tireoide fetal. Crianças menores de cinco anos e oftalmopatia moderada e grave também não se recomenda a sua utilização.
Para realizar a radioiodoterapia (RIT) recomenda-se suspender as tionamidas 4 a 7 dias antes e reintroduzi-las 3 a 7 dias após. O uso de betabloqueadores pode ser realizado com o intuito de minimizar os sintomas. Deve-se excluir a gestação em mulheres em idade fértil e prescrever método anticonceptivo por 6 a 12 meses após o RIT.
O hipotiroidismo é considerado o principal efeito adverso da radioiodoterapia. Durante tal situação, é recomendado descontinuar o uso dos betabloqueadores e tionamidas, além de iniciar a reposição hormonal a partir da utilização de levotiroxina. A falha no tratamento com RIT só pode ser atestada após 6 a 12 meses da sua realização. Nessa situação, os níveis de T3 e T4 estarão elevados e o TSH suprimido. Sendo assim, o médico pode optar por realizar uma nova dose de iodo radioativo, contudo, caso não haja normalização dos níveis hormonais, a cirurgia deverá ser recomendada.
2.5.4. Cirurgia
A tireoidectomia total é o procedimento menos utilizado atualmente, mas mantém o seu interesse em algumas situações clínicas. Tireoidectomia parcial não deve ser realizada nesses casos, pois há aumento de recorrência do hipertiroidismo.
O tratamento com tireoidectomia em pacientes com doença de Graves deve ser recomendado nas seguintes situações:
- Presença de nódulo suspeito de malignidade ou nódulos frios > 4 cm;
- Bócios volumosos que resultam em sintomas compressivos, como disfagia, dispneia ou disfonia;
- Pacientes com oftalmopatia de Graves moderada a grave e em atividade;
- Mulheres que desejam engravidar em < 6 meses;
- Crianças menores de 5 anos;
- Baixa captação de radioiodo ou falha à RIT;
- Presença simultânea de hiperparatireoidismo;
- Níveis muito elevados de anti-rTSH, indicando doença de difícil controle com tionamidas;
Os fármacos antitiroideus são utilizados em pacientes que serão submetidos a tireoidectomia, o objetivo é obter níveis normais das hormonas tireóideas (eutiroidismo), pois a manipulação e o estresse cirúrgico podem desencadear uma crise tireotóxica. Além disso, 10 dias antes do procedimento, a administração de solução de iodeto de potássio reduz a vascularização, o fluxo sanguíneo e, consequentemente, o sangramento no intraoperatório.
A tireoidectomia, desde que realizada por cirurgiões especializados, apresenta baixo risco de efeitos secundários, sendo os mais frequentes a lesão do nervo laríngeo recorrente e o hipoparatiroidismo. Dito isso, após a operação, os níveis séricos de cálcio dos pacientes devem ser avaliados para detectar de forma precoce tal efeito adverso. Se a hipocalcemia permanecer, o médico deverá prescrever cálcio e calcitriol para o paciente.
Com a tireoidectomia total a possibilidade de recorrência fica afastada, mas os doentes deverão realizar reposição hormonal com levotiroxina durante a vida toda.
3. Referências
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