Tudo que você precisa saber sobre cefaleia

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Cefaleia é todo processo doloroso referido no segmento cefálico, que pode se originar de qualquer estrutura facial ou craniana. As dores de cabeça correspondem de 4 a 9% das consultas na atenção primária e estima-se que, ao longo da vida, 99% das pessoas apresentarão o quadro.

Classificação das cefaleias

De acordo com a Intertanional Classification of Headache Disorder, a cefaleia é caracterizada por dois diferentes grupos etiológicos; cefaleias primárias e secundárias. A cefaleia primária é caracterizada por dor em ausência de anormalidades anatomopatológicas identificáveis aos exames subsidiários habituais. Os exemplos mais comuns são: migrânea (enxaqueca), cefaleia tensional, cefaleia em salvas. A cefaleia secundária é caracterizada por apresentar um início recente e estarem relacionadas a uma causa específica, há uma condição para a dor de cabeça, e será identificada nos exames que forem realizados, havendo remissão parcial a total, até três meses do início.

As cefaleias também são classificáveis segundo o modo de instalação e a evolução, sendo elas agudas, subagudas e crônicas. As subagudas possuem uma instalação insidiosa, atingindo o ápice em até 3 meses. Já as crônicas possuem presença superior a 3 meses e podem ser recidivantes.

Entrevista diagnóstica

A entrevista diagnóstica tem como objetivo detalhar as características da cefaleia através de perguntas chaves. Sendo elas:

  • Motivo da procura;
  • Idade do paciente;
  • Idade de início das dores;
  • Padrão temporal (horário de crises e periodicidade);
  • Duração;
  • Intensidade da dor (leve, moderada, incapacitante);
  • Natureza da dor (pulsátil, compressiva, penetrante);
  • Local e irradiação;
  • Sintomas associados (náuseas, vômitos, febre, etc.);
  • Pródromos;
  • Fatores desencadeantes;
  • Fatores de melhora ou piora;
  • História familiar;
  • Presença de aura;
  • Outros sintomas neurológicos;
  • Medicações utilizadas;

Exame físico

O exame físico deve ser completo, inclui a busca de sinais neurológicos localizatórios, nível de consciência do paciente, sinais meníngeos, exames de nervos cranianos, palpação do crânio, musculatura cervical e articulação temporomandibular, exame de fundo de olho, medida da pressão arterial e temperatura.

Os exames neurológicos podem ser solicitados por parte dos médicos, uma vez que exista dúvidas de diagnóstico e, principalmente, na presença de sinais de alerta. Os exames podem ser radiografia de crânio e coluna cervical, tomografia de crânio, ressonância magnética de crânio, eletroencefalograma, coleta de liquido cefalorraquidio, angiorressonância magnética de vasos cervicais e intracranianos.

A anamnese complementada com exame clínico-neurológico vai levar ao diagnóstico de certeza e/ou alertar para a possibilidade de uma cefaleia secundária.

Sinais de alerta

Os sinais de alerta, também chamados de red flags, são indicativos de eventos potencialmente graves e, nesses casos, se deve solicitar exames complementários para proporcionar um melhor diagnóstico.

Pacientes com cefaleia súbita atingem a intensidade máxima de sintomas dentro de 60 segundos. Referem-se como “a pior cefaleia da vida”. Apresentam diferentes etiologias, mas a mais temida é a hemorragia subaracnóidea, com altas taxas de morbimortalidade.

Cefaleia de início recente, com uma evolução menor há um ano, merecem atenção. Processos expansivos podem ser a causa da dor e exames de neuroimagem podem revelar tal diagnóstico.

Pessoas maiores de 50 anos de idade apresentam maior incidência de neoplasias primárias do sistema nervoso central ou metástase para o mesmo sítio. Além disso, a arterite de células gigantes é uma causa de cefaleia a partir desta idade.

Cefaleia associada a alteração no exame neurológico, alteração de consciência, rigidez de nuca e febre são considerados sinais de alerta, e por isso, devem ser investigados.

Pacientes imunodeprimidos com cefaleia, deve-se considerar a ocorrência de neuroinfecções ou surgimento de neoplasias. Pacientes com neoplasia conhecida e cefaleia, a suspeita de metástase cerebral deve ser sempre investigada.

Pacientes com coagulopatias ou em uso de anticoagulantes são mais predispostos a ocorrência de hemorragia intraparenquimatosa, que pode manifestar por meio de cefaleia.

Dores encefálicas desencadeadas por exercícios físicos, ou por outra atividade que gere um aumento da pressão intra-abdominal e consequentemente intracraniana são considerados indícios de aneurisma cerebrais em expansão ou rotos.

Cefaleias progressivas ou refratárias a tratamento são indicativas de processos expansivos parenquimatosos, hidrocefalia e trombose venosa cerebral.

Em casos nos quais não se preenchem os critérios de diagnóstico para cefaleia primária, os exames de neuroimagem são obrigatórios.

Aura

A aura é um sintoma neurológico temporário e pode ocorrer antes, durante ou após a cefaleia. A forma mais comum é a visual e pode-se apresentar como sintomas visuais unilaterais de formas geométricas que se expandem e se movem, visão embaralhada ou sensação anormal “de vaivém”. Também se é descrito sob a forma de parestesias, dificuldade na fala e distúrbios sensitivos. A duração da aura varia de 5 a 60 minutos.

Cefaleias primárias

Os principais tipos de cefaleia primária são: migrânea, cefaleia tensional e cefaleia em salvas.

Migrânea

Migrânea, também conhecida como enxaqueca, trata-se de um distúrbio neurobiológico com etiologia poligênica, multifatorial e com alguma influência de fatores ambientais. É uma condição de dor debilitante associada a grande deficiência pessoal e laboral.

A cefaleia do tipo migrânea se apresenta de duas formas distintas, a forma típica e a com aura. Para realizar o diagnóstico de migrânea típica, o paciente deve possuir alguns critérios, sendo eles:

A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral (60% dos casos), de caráter pulsátil. Piora habitualmente com os esforços físicos ou manobras que aumentam o fluxo sanguíneo cerebral. Acompanhando a dor, observam-se, palidez, sudorese, anorexia, náuseas e vômitos, foto e fonofobia.

Os fatores desencadeantes são variados, podendo ser jejum, chocolate, distúrbios emocionais, modificações no padrão de sono, estímulos sensoriais e ingesta de bebidas alcoólicas.

Os critérios de diagnóstico da migrânea com aura se observa abaixo.

A crise migranosa divide-se em 4 fases: premonitória, aura, cefaleia e resolução. Os sintomas premonitórios se observam em até 48 horas antes da crise em cerca de 60%. Sintomas prodrômicos, são caracterizados por irritabilidade, anorexia, náusea, bocejos, fome, dificuldade de concentração e/ou raciocínio e retenção hídrica. A aura da migrânea tem início insidioso e evolução lentamente progressiva.

O tratamento inicia-se com medidas gerais, evitando fatores referidos como desencadeantes de crises. É importante realizar o tratamento correto de patologias concomitantes. Valer-se de técnicas de relaxamento físico e mental, regular o padrão de sono e aconselhar a prática de atividades físicas são essenciais.

Analgésicos simples e anti-inflamatório não esteroidais são eficazes para o tratamento sintomático e devem ser ingeridos precocemente após o início dos sintomas. É importante evitar o uso abusivo desses analgésicos, sob o risco de desencadeamento de cefaleia resultante do uso excessivo de medicações abortivas de crise.

Os triptanos devem ser considerados para o controle da dor em crises moderadas e fortes. Contudo, estão contraindicados a pacientes com histórico de insuficiência arterial periférica, cerebral ou coronariana, a quadros de isquemia ou infarto do miocárdio e na presença de angina, claudicação, gravidez, amamentação, hipertensão arterial não controlada, uso concomitante de inibidores da recaptação de serotonina ou lítio e enxaquecas com aura prolongada.

Antieméticos também fazem parte do arsenal terapêutico abortivo das crises.

O tratamento profilático está indicado àqueles com mais de 2 crises por mês ou que, tendo apenas 2, ou mesmo somente 1, esta seja extremamente grave ou demorada, ou aos casos que não respondem de modo satisfatório à terapêutica abortiva da crise de migrânea.

Os medicamentos profiláticos mais utilizados são os betabloqueadores (propranolol), os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina), os antagonistas de canal de cálcio (flunarizina) e alguns anticonvulsivantes (ácido valproico, topiramato e lamotrigina). O tratamento é habitualmente mantido pelo período mínimo de 6 meses, monitorizando o indivíduo com o diário da dor.

Cefaleia tipo tensão

Cefaleia crônica mais comum e mais prevalente em adultos jovens. Caracteriza-se por, ao menos, 10 episódios recorrentes de dor de cabeça com duração de 30 minutos a 7 dias. Tem caráter de pressão em localização bilateral, com intensidade fraca ou moderada. A realização de atividade física não agrava a dor e, pacientes com esse quadro, podem apresentar fotofobia ou fonofobia. A cefaleia do tipo tensional não causa náuseas e vômitos.

O tratamento das crises é realizado de maneira similar a cefaleia migrânea, utilizando analgésicos simples e AINES. Importante recordar que o uso de mais de 15 dias destes medicamentos pode exacerbar as crises e causar uma piora ao paciente.

A frequência das dores é um fator importante no tratamento, pois pacientes que apresentam mais de 15 episódios ao mês, ou seja, mais de 180 ao ano, são considerados portadores crônicos desta patologia e se recomenda tratamento profilático. Para tal tratamento, se utiliza antidepressivos tricíclicos (amitriptilina ou nortriptilina) ou outros antidepressivos, como por exemplo venlafaxina.

Cefaleia em salvas

A Cefaleia em Salvas pertence ao grupo das cefaleias trigémino-autonómicas e, dentro das cefaleias primárias, é a que apresenta a sintomatologia clínica mais característica. No entanto, dada sua raridade, esta entidade é frequentemente ignorada pelos clínicos no diagnóstico diferencial das cefaleias. A importância do diagnóstico correto é fundamental, pois tal patologia apresenta um tratamento particular e bastante eficaz.

Ao contrário das demais cefaleias, a cefaleia em salvas ocorre com maior frequência em homens, tendo como idade de início os 30 anos.

Os critérios de diagnóstico da cefaleia em salvas são os seguintes:

A cefaleia em salva pode ser dividida clinicamente em episódica ou crônica. Na cefaleia em salvas episódica, as crises se repetem de 1 a cada 2 dias até 8 vezes ao dia, por semanas ou meses, no máximo 1 ano, separadas por períodos assintomáticos, que podem ser de dias, meses ou anos, não inferiores, contudo, a 14 dias. Na cefaleia em salvas crônica, os ataques vêm se repetindo há mais de 1 ano sem nenhum período sem dor com duração igual ou superior a 14 dias.

A Cefaleia em Salvas é uma das raras causas de suicídio por cefaleias. Caracteriza-se por dores excruciantes, que ocorrem sobretudo de noite, interrompendo o sono. A sua repetição provoca cansaço, ansiedade, depressão e conduz ao consumo exagerado de analgésicos.

Para o tratamento abortivo, há opções como sumatriptana (6 mg SC), ergotamínicos (1 mg, 2x/d) e inalação de oxigênio a 100%, 7 L/min, durante 15 minutos, por meio de máscara facial. O oxigênio é destituído de contraindicações e de reações adversas, ao qual é possível associar a ergotamina, o que reduz de modo significativo a possibilidade dessa cefaleia.

O tratamento profilático é fundamental na maioria dos casos. O verapamil é alternativa terapêutica na forma episódica e na forma crônica

Cefaleias secundárias

As cefaleias secundárias são consequência de uma agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica. Posto isso, comentaremos a respeito de algumas cefaleias secundárias de interesse clínico.

A cefaleia secundária a trauma encefálico ou cervical apresentam uma série de padrões de apresentação, sendo o da cefaleia tensional o mais comum.

A hemorragia subaracnóidea causa uma cefaleia de inicio explosivo, de dor forte, pulsátil, difusa, que não melhora com o uso de analgésicos simples e que piora com os movimentos da cabeça e esforço físico. Investiga-se a presença de sinais neurológicos (rigidez de nuca, hemiparesia e assimetria de reflexos) e hipertermia. Pode ocorrer em qualquer idade, mas a maior incidência se encontra em pessoas entre 50 e 60 anos, sem predomínio de sexo. O diagnóstico é confirmado através de tomografia ou exame do liquido cefalorraquideo.

Processos isquêmicos transitórios tendem a causar cefaleia de dor pulsátil, de intensidade leve ou moderada, de curta duração.

A arterite temporal, também conhecida como arterite de células gigantes, é uma doença praticamente inexistente antes dos 50 anos. A dor tem instalação aguda, de intensidade moderada a forte, de caráter continuo, podendo agravar-se com o frio. Localiza-se na área da artéria temporal superficial, sendo unilateral no inicio e tende a bilateralidade ao decorrer da enfermidade. As artérias acometidas se encontram salientes, endurecidas e extremadamente dolorosas a palpação. O envolvimento da artéria pode ser antecedido por anorexia, sudorese, febre, artralgias, polimialgias e claudicação intermitente da mandíbula. Existe um aumente na velocidade de sedimentação dos eritrócitos, sempre acima de 50 mm/h, em geral associado a leucocitose e discreta anemia hipocromica. O diagnóstico é realizado por meio de biopsia da artéria comprometida, e o tratamento com corticosteroides a longo prazo. Se não tratado precocemente, pode ocorrer envolvimento da artéria oftálmica ou da artéria central da retina, com consequente perda total ou parcial da visão.

A hipertensão intracraniana é constituída por quadro clássico de cefaleia, vômitos e edema de papila.

A pressão liquórica baixa pode causar cefaleia de tipo bilateral, que se agrava em menos de 15 minutos após assumir a posição ortostática, e melhora ao se acostar. Quando associada a punção liquórica, cessa em menos de 15 dias após o procedimento. Quando não associada a punção, deve-se pensar em fistula liquórica.

A utilização de analgésicos de maneira descontrolada, em pacientes com histórico de cefaleia primária, tendem a causar uma exacerbação no quadro inicial e desenvolver uma cefaleia por uso de analgésicos. A cefaleia melhora ou retorna ao seu padrão anterior após dois meses de suspensão da medicação.

Infecções podem apresentar cefaleias como sintomatologia, sendo assim, deve-se investigar a presença de sinais sistêmicos e de alteração na consciência. Meningites tratadas podem desenvolver cefaleia crônica como sequela.

O transtorno da articulação temporomandibular tende a gerar dor ao paciente, podendo irradiar-se ao ouvido, ângulo da mandíbula, região parietal, ombro e face. Investiga-se se existe diminuição da amplitude da abertura da boca, dor e crepitações ao realizar os movimentos desta articulação.

As alterações oftalmológicas, geralmente, estão acompanhadas de cefaleia. Nos vícios de refração a dor é frontal, ausente pela manhã, piora com o esforço e melhora com o descanso. 

Referências:

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