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A fibrilação atrial á a arritmia sustentada mais comum na prática clínica, acometendo principalmente faixas etárias mais avançadas. Esse quadro apresenta grande destaque por suas repercussões clínicas, incluindo fenômenos tromboembólicos, hospitalizações e maior taxa de mortalidade.
- Introdução
A fibrilação atrial (FA) é caracterizada pela completa desorganização da atividade elétrica no átrio, acarretando na perda da sístole atrial. Tal situação é facilmente visualizada ao realizar o eletrocardiograma, onde é possível observar ritmo irregular, ausência de onda “P” e hiperestimulação atrial representada pelas ondas “f”. Contudo, o diagnóstico nem sempre é fácil, uma vez que muitos pacientes se apresentam assintomáticos ou com sintomas inespecíficos, dificultando o registro da arritmia.
- Mecanismos fisiopatológicos
Os mecanismos fisiopatológicos da FA são inúmeros e complexos. Várias alterações levam à ocorrência de tal quadro clínico, incluindo fatores hemodinâmicos, eletrofisiológicos, estruturais, autonômicos, além de fatores desencadeantes representados pelas extrassístoles e taquicardias atriais.
Atualmente, as teorias mais aceitas para o início da arritmia e a sua manutenção são a presença de focos ectópicos como deflagradores da arritmia e a reentrada como fator de manutenção. A reentrada pode ser anatômica (com obstáculos criando zonas de condução lenta, como fibrose) ou funcional (refratariedade heterogênea, decorrente de propagação errática de onda elétrica atrial). Essas condições aumentam a probabilidade de ocorrência de múltiplas ondas simultâneas de reentrada, facilitando a perpetuação da FA.
A atividade autonômica também desempenha papel importante no início e na manutenção da FA. A ativação vagal pode alterar correntes de potássio dependentes da acetilcolina, com consequente redução da duração do potencial de ação podendo, assim, estabilizar circuitos de reentrada. Além disso, a ativação adrenérgica pode provocar o acúmulo de cálcio intracelular, o que pode deflagrar a arritmia
Embora os fatores eletrofisiológicos, incluindo o remodelamento elétrico e morfológicos, sejam considerados os principais fatores envolvidos na fisiopatologia da FA, os processos infecciosos vem surgindo como um outro fator importante para a manifestação desta patologia. De acordo Chang et al. (2016), um estudo de caso com 56.870 participantes teve como objetivo analisar a associação entre infecção pelo vírus influenza, vacinação e risco de FA. Os resultados obtidos pelos autores demonstraram que a infeção aumentou o risco para o desenvolvimento da arritmia, ao passo que a vacinação apresentou efeito protetor em diferentes grupos de pacientes.
- Fatores de risco para a fibrilação atrial
O grande número de casos de FA encontrados na prática clínica não é apenas justificado pela idade, tendo também outros fatores que contribuem para esse desfecho, tais como a presença de hipertensão, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, doença valvar, entre outros. Pensando nisso, iremos abordar um pouco sobre os mais variados fatores de risco da fibrilação atrial.
- Obesidade
A obesidade, definida como índice de massa corporal (IMC) superior a 30 kg/m², demonstra uma clara associação com a ocorrência de FA. Tal afirmação foi confirmada por um estudo desenvolvido por Wong et al. (2015), no qual observou que para cada aumento de 5 unidades no IMC o risco do surgimento de fibrilação atrial aumenta em cerca de 29%.
A partir desse conhecimento, vários estudos foram conduzidos para demonstrar o impacto da redução do peso na recorrência de FA, no qual corroboraram com os resultados obtidos por Wong, pois visualizaram uma probabilidade 6 vezes maior de não apresentar anormalidades no ritmo cardíaco nos pacientes que apresentaram perda ou manutenção de peso quando comparados aqueles que não o fizeram. Sendo assim, é necessário reconhecer a obesidade como um fator de risco potencialmente modificável.
- Apneia obstrutiva do sono
Apneia obstrutiva do sono (AOS) é caracterizada pela obstrução completa ou parcial, recorrente das vias aérea superiores durante o sono, resultando em períodos de apneia, dessaturação e despertares noturnos frequentes. Tal quadro clínico apresenta relação na mortalidade cardiovascular nos pacientes com AOS não tratada.
Vários fatores contribuem para o dano cardiovascular nos pacientes que padecem com a apneia obstrutiva do sono e, possivelmente, inúmeros mecanismos estejam envolvidos. Contudo, é importante ressaltar três fatores principais, sendo eles a hipóxia intermitente, despertares frequentes e alterações na pressão intratorácica. Essas alterações acabam por desencadear hiperatividade do sistema nervoso simpático, disfunção endotelial e inflamação. A ativação simpática observada nesses pacientes é um importante fator que, em parte, justifica a elevada prevalência de arritmias cardíacas nessa população, incluindo a FA.
- Atividade e inatividade física
A inatividade física é um problema de saúde pública associado ao aumento das doenças cardiovasculares, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, câncer, obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão. Sendo assim, propicia diversos fatores de risco para FA. Além disso, mais recentemente, a literatura sugere a inatividade física como um fator de risco independente para fibrilação atrial.
Por outro lado, a relação entre atividade física e FA parece não ser linear, e sim uma curva em “U”, ou seja, os extremos (sedentarismo ou a prática extenuante de exercícios) aumentam o risco de FA. É importante enfatizar que, quando falamos de pratica extenuante de exercícios, estamos nos referindo aos atletas de alto rendimento, os quais excedem a recomendação de atividade física padronizada, correspondendo a uma pequena porcentagem da população.
Os mecanismos envolvidos na gênese da FA em relação a inatividade ou atividade física extenuante ainda não estão totalmente esclarecidos, mas o fato é que a prática de atividade física moderada deve ser encorajada como prevenção, tratamento e melhora da qualidade de vida em todos os pacientes portadores de FA.
- Outros potenciais fatores de risco modificáveis
A ingestão crônica de álcool acarreta na formação da FA, uma vez que há um remodelamento atrial. Além disso, o álcool também estimula o sistema nervoso autônomo, favorecendo o surgimento de mais FA. Já a abstinência desta substância mostrou-se capaz de reduzir a recorrência desta arritmia.
O tabagismo aparece como um dos fatores de risco modificáveis para o surgimento da fibrilação atrial, uma vez que Cheng et al. (2018), realizaram um estudo com o objetivo de verificar a relação da FA em indivíduos tabagistas, no qual foi possível confirmar está teoria. Além disso, o mesmo trabalho foi capaz de mostrar que a cessação do fumo foi associada à redução do risco da arritmia em questão.
- Classificação clínica da fibrilação atrial
A principal classificação da fibrilação atrial se baseia no tempo e evolução da arritmia e a reversão da mesma para o ritmo sinusal. Desse modo, podemos dividir a FA em 4 tipos, sendo eles:
– Fibrilação atrial paroxística: Se caracteriza pela FA revertida espontaneamente ou com ajuda médica em menos de 7 dias.
– Fibrilação atrial persistente: Se caracteriza pela FA com duração superior a 7 dias e com perspectivas médicas de reversão.
– Fibrilação atrial persistente de longa duração: Se caracteriza pela FA com duração superior a 1 ano, porém ainda com perspectiva médica de reversão.
– Fibrilação atrial permanente: Se caracteriza pela FA com duração superior a 7 dias e que tanto o médico quanto o paciente optaram por não tentarem mais a reversão do ritmo.
Tendo como base essa classificação, o tipo mais comum que acomete a população é a fibrilação atrial permanente, correspondendo a 40 a 50% dos casos. Tais conceitos são importantes, pois é notório que a FA tende a gerar mais FA, ou seja, a fibrilação atrial, quando persistente, propende a alterações na estrutura cardíaca (dilatação e fibrose atrial), proporcionando assim estímulos de reentrada.
Outra classificação importante refere-se à etiologia associada à arritmia. Dessa forma, podemos separar a fibrilação atrial entre valvar e não valvar. O termo fibrilação atrial valvar faz referência aos pacientes portadores de FA associados a estenose mitral moderada a grave, ou à prótese metálica ou biológica, ou à história de plastia valvar mitra. Lembre-se dessa classificação aluno Revalideii, ela será importantíssima quando falarmos sobre o tratamento antitrombótico.
- Apresentação clínica
Como já foi dito anteriormente, um grande número dos pacientes que padecem de fibrilação atrial apresentam-se assintomáticos. Entretanto, não são todos os casos.
As manifestações clínicas nos pacientes sintomáticos podem ser as mais variadas possíveis, tais como palpitações, dispneia, intolerância aos esforços, sudorese, angina e até mesmo sintomas inespecíficos, como por exemplo fadiga e diminuição do nível de energia. A síncope também pode ser descrita como como um dos sintomas, contudo, é um evento raro, uma vez que o nó átrio ventricular regula a passagem dos impulsos aos ventrículos, evitando taquiarritmias extremas e permitindo o fluxo sanguíneo cerebral.
- Exame físico
Sempre que estamos diante de um paciente com suspeita de cardiopatia descompensada, a estabilidade hemodinâmica do mesmo deve ser investigada. Tal achado não se baseia simplesmente nos níveis pressóricos do paciente, sendo necessário a avaliação da perfusão tecidual, ou seja, aspecto geral, estado mental, enchimento capilar, temperatura nas extremidades e débito urinário do paciente.
Devido à irregularidade do ritmo na fibrilação atrial, os batimentos ventriculares tendem a apresentar um volume sistólico variável. Tal mecanismo explica a diferença entre frequência cardíaca e a frequência de pulso no exame físico. Ademais, a fonese de B1 pode ser explicada pelo mesmo motivo, pois a primeira bulha representa o fechamento das valvas atrioventriculares e, se o volume de sangue nos ventrículos a cada batimento varia, a força de fechamento das valvas também apresentará alterações.
Outro ponto marcante na fibrilação atrial é a falta de uma contração atrial efetiva. A ausência dessa fase no ciclo cardíaco esclarece o motivo de não encontramos a B4 nessa patologia, pois a quarta bulha ocorre ao final da diástole devido ao volume de sangue ejetado pelo átrio contra um ventrículo pouco complacente. Ou seja, se não há contração atrial, não há B4.
Sinais de insuficiência cardíaca (IC) devem ser investigados nos pacientes com suspeita de fibrilação atrial, pois, em alguns casos, a FA pode desenvolver uma IC, recebendo o nome de taquicardio miopatia. Nessa situação, a resolução da arritmia tende a normalizar o quadro anteriormente mencionado.
Com o intuito de finalizar o exame físico, o médico deverá investigar a existência de fatores de risco para o surgimento da fibrilação atrial.
- Exames complementários
Segundo as diretrizes europeias (2020), todo paciente, seja ele ambulatorial ou na emergência, deverá realizar alguns exames complementários.
O eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações é o exame de excelência para o diagnóstico de fibrilação atrial. Como já vimos anteriormente, todo paciente com FA apresenta obrigatoriamente 3 requisitos para o diagnóstico da doença, sendo eles: ritmo irregular, ausência de onda “P” e hiper estimulação atrial representada pelas ondas “f”. Todas essas características são passíveis de serem observados no ECG.
A ecocardiografia transtorácica é um ótimo exame para avaliar a estrutura cárdica como um todo. Com ela, é possível avaliar a morfologia, função sistólica, função diastólica, função valvar e hemodinâmica em pacientes com FA.
Um hemograma completo, função renal, função tireoidiana e eletrólitos deverão ser solicitados em todo paciente recentemente diagnosticado com FA. A investigação da anemia deve ser efetuada, uma vez que a mesma tende a contribuir para a formação da fibrilação atrial, pois acarreta em uma estimulação simpática no organismo do paciente.
- Bases terapêuticas para a fibrilação atrial
A abordagem terapêutica da FA envolve um amplo conhecimento do estado de saúde e hábitos do paciente e compreende quatro pilares principais, sendo eles:
Mudança de hábitos de vida e tratamento rigoroso de fatores de risco
Prevenção de eventos tromboembólicos
Controle da frequência
Controle do ritmo
- Mudança de hábitos de vida e tratamento rigoroso de fatores de risco
O primeiro pilar terapêutico da fibrilação atrial tem como objetivo reduzir os fatores de risco modificáveis associados à qualidade de vida e ao tratamento rigoroso das comorbidades cardiovasculares. Dessa forma, além do controle do peso, tratamento do tabagismo, combate ao sedentarismo, uso comedido de álcool e otimização do padrão do sono, deve-se implementar o controle rigoroso de hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia.
A hipertensão arterial (HA) é deletéria para o paciente com FA, pois constitui um fator de risco para eventos tromboembólicos, está associada a maior probabilidade de sangramento e recorrência dessa arritmia. Segundo Schneider et al. (2010), o uso dos inibidores do sistema renina angiotensina-aldosterona para o controle dos níveis pressóricos em pacientes hipertensivos com histórico de FA mostrou-se efetivo, pois houve uma redução na probabilidade de novos casos desta arritmia.
Além do que já foi comentado, é importante ressaltar a subanálise que foi desenvolvida por Soliman et. al (2020), do estudo Systolic Blood Pressure Intervention Trial (SPRINT), no qual avaliaram as estratégias de controle intensivo da pressão arterial (PAS < 120 mmHg) e controle convencional (PAS < 140 mmHg) na ocorrência de FA, mostrando um melhor resultado naqueles pacientes que apresentaram uma meta pressórica mais rigorosa, ou seja, PAS menor a 120 mmHg.
Pacientes portadores de diabete mellitus tendem a apresentar um maior risco para o surgimento da FA. Os mecanismos fisiopatológicos dessa relação ainda não estão completamente elucidados, mas possivelmente são múltiplos, incluindo os impactos do diabetes no sistema nervoso autônomo. Além disso, a hiperglicemia, isoladamente, é capaz de aumentar o tônus simpático e diminuir o tônus parassimpático, o que pode facilitar a ocorrência dessa arritmia. Tal conceito foi confirmado por um estudo desenvolvido por Chao et al. (2012), onde observou uma redução de 30% nos casos de FA em pacientes submetidos ao tratamento do diabetes por um período de 5 anos.
A relação entre dislipidemia e FA ainda está em investigação, mas segundo uma análise observacional incluindo dois grandes bancos de dados (MESA e Framingham) realizado por Alonso et al. (2014), demonstrou que altos níveis de HDL estavam associados ao menor risco de FA, ao passo que altos níveis de triglicérides estavam associados ao seu maior risco. Nenhuma relação foi encontrada com o LDL.
- Prevenção de eventos tromboembólicos
Um dos aspectos mais fundamentais quanto à abordagem e à avaliação da fibrilação atrial consiste na prevenção dos eventos tromboembólicos. Tais acontecimentos advêm da estase sanguínea, lesão endotelial nas paredes do átrio e estado próprio de hipercoagulabilidade, todos eles decorrentes da fibrilação atrial. Essas três características, quando juntas, completam os pilares da tríade de Virchow.
Os trombos formados na FA podem permanecer estáticos ou, na pior das hipóteses, embolizar. Dito isso, quando embolizam, o destino deles podem variar, mas a grande maioria (cerca de 80% das vezes), atingem o sistema nervoso central (SNC) causando acidentes vasculares encefálicos (AVE).
Por conseguinte, a FA é uma arritmia em que a avaliação de elegibilidade para prevenção de eventos tromboembólicos é mandatória, pois o uso do anticoagulante pode prevenir a maioria desses eventos e prolongar a sobrevida. Por essa razão o escore de CHA2DS2VASc foi desenvolvido, tendo como objetivo estimar a probabilidade dos pacientes em apresentar eventos tromboembólicos.
Escore CHA2DS2VASc
C: Insuficiência Cardíaca | 1 ponto |
H: Hipertensão | 1 ponto |
A: Age – Idade ≥ 75 anos. | 2 pontos |
D: Diabetes mellitus | 1 ponto |
S: Stroke – AVE ou AIT | 2 pontos |
V: Vasculopatia – IAM prévio, doença arterial periférica e placas na aorta. | 1 ponto |
A: Age – Idade entre 65-74 anos. | 1 ponto |
Sc: Sex category – Sexo feminino. | 1 ponto |
No entanto, antes de verificarmos esse escore, é necessário saber se estamos diante de uma FA valvar, pois nesses casos o paciente deve permanecer anticoagulado independentemente do cálculo encontrado no escore. Além disso, pacientes com amiloidose e miocardiopatia hipertrófica também devem receber o mesmo manejo.
Já para os demais pacientes com FA, segundo o escore de CHA2DS2VASc, a anticoagulação deverá ser realizada em homens com pontuação ≥ 2 e mulheres ≥ 3. Valores de 1 no sexo masculino e 2 para o sexo feminino, a anticoagulação poderá ou não ser realizada, ficando a critério do médico escolher. Valores inferiores não devem receber medicamento antitrombótico.
As atuais diretrizes recomendam, preferencialmente, o uso dos novos anticoagulantes orais (NOACs) para prevenção de eventos tromboembólicos na fibrilação atrial quando comparados a varfarina. Como opções dessa classe, temos a dabigatrana (inibidor direto da trombina) e os inibidores do fator Xa (rivaroxabana, edoxabana e apixabana). Entretanto, os NOACs são contraindicados em pacientes com índice de filtração glomerular < a 15 ml/minutos, gestantes, trombofilias, estenose mitral moderada a grave e próteses cardíacas metálicas. Nessas situações, deve-se receitar a boa e velha varfarina.
A varfarina é um anticoagulante que atua inibindo a formação de fatores de coagulação dependentes de vitamina K. Esse medicamento apresenta uma absorção rápida pelo trato gastrointestinal e, apesar disso, o seu efeito pleno só é alcançado após alguns dias, já que a meia vida de alguns fatores de coagulação é bastante longa. A absorção desse medicamento é muito influenciada pela dieta e, por esse motivo, deve ser administrada longe das refeições. A ingestão de alimentos que contenham vitamina K tendem a diminuir o efeito deste medicamento.
Os pacientes que recebem varfarina devem ter seu alvo terapêutico definido pelo valor da relação normatizada internacional (RNI), devendo estar entre 2 a 3. Quando o RNI está acima de 3, deve-se reduzir a dose da droga e, quando está abaixo de 2, deve-se aumentá-la. No início da terapia com a varfarina, deve-se dosar o RNI a cada 3-5 dias e, conforme houver melhor controle, pode-se espaçar as dosagens para semanalmente, quinzenalmente ou até mensalmente. O uso concomitante com outras medicações e as características intrínsecas dos pacientes também afetam o nível sérico da varfarina. Sendo assim, não é incomum que o controle terapêutico com essa droga seja de difícil execução.
Importante ressaltar que a anticoagulação independe do tipo de FA que o paciente apresenta, pois uma vez diagnosticado, existe um maior risco para eventos tromboembólicos. Ou seja, por mais que um paciente já diagnosticado com FA esteja em ritmo sinusal, ele deverá receber anticoagulação caso o escore de CHA2DS2VASc seja maior ou igual a 2 em homens e maior ou igual a 3 em mulheres.
Outro detalhe que vale realçar é que o uso de antiplaquetários (ácido acetilsalicílico, clopidrogrel, etc) é desaconselhável em pacientes com fibrilação atrial em substituição à anticoagulação.
As contraindicações absolutas para a anticoagulação na fibrilação atrial são poucas mais existem. Pacientes com sangramento ativo não devem receber anticoagulação antes de uma detalhada investigação. O mesmo acontece com pacientes com níveis de plaqueta menores a 50.000/mm³, pacientes com anemia grave sem etiologia definida e pacientes com histórico de hemorragia intracraniana recente.
O apêndice atrial esquerdo é o principal local de formação de trombos na fibrilação atrial. Sendo assim, a oclusão do mesmo constitui uma segunda alternativa para prevenção de eventos tromboembólicos no paciente com limitações ao uso dos anticoagulantes. O dispositivo utilizado nesses casos é denominado Watchman.
- Risco de sangramento
Todo paciente anticoagulado apresenta cerca de 2 a 3% ao ano a mais de risco de sangramentos clinicamente importante quando comparado com o restante da população. Pensando nisso foi elaborado o escore HASBLED, cujo objetivo é estimar o risco desses eventos.
Escore HASBLED
H: Hipertensão descontrolada | 1 ponto |
A: Alteração hepática ou renal. | 1 ponto cada |
S: Stroke – AVE. | 1 ponto |
B: Bleeding – sangramento prévio ou predisposição a sangramento. | 1 ponto |
L: Labilidade do RNI. | 1 ponto |
E: Elderly – Idade ≥ 65 anos. | 1 ponto |
D: Drogas que interfiram na varfarina ou uso de álcool. | 1 ponto cada |
Diferentemente do CHA2DS2VASc que determina a conduta, o HASBLED serve apenas como um parâmetro a mais. Ou seja, esse escore não tem poder para contraindicar a anticoagulação, sendo apenas mais um peso na balança e auxilia na orientação de mudanças que diminuem o risco de sangramento.
- Controle dos sintomas na fibrilação atrial
Chegamos a um ponto muito importante no tratamento da fibrilação atrial, o controle dos sintomas. Sendo assim, para realizarmos de maneira magistral o manejo dos pacientes sintomáticos, podemos considerar que existem duas opções para esses pacientes: fazer controle do ritmo ou fazer controle da frequência cardíaca.
- Controle da frequência cardíaca na fibrilação atrial
O controle da frequência cardíaca (FC) é parte integrante do tratamento do paciente com FA e, normalmente, é suficiente para reduzir os sintomas. Portanto, todo paciente com fibrilação atrial deverá ter uma estratégia para o controle da FC.
O alvo terapêutico da FC nos pacientes com fibrilação atrial ainda está sendo estudado, mas o que se sabe é que um controle mais rigoroso (FC em repouso < 80 bpm) não apresenta melhores resultados quando comparado a um controle moderado (FC em repouso < 110 bpm). Por conseguinte, opta-se por um controle mais brando inicialmente e, nos casos em que o paciente ainda se encontre sintomático ou padeça de taquicardio miopatia, sugere-se que reduza a FC para níveis menores a 80.
Os fármacos utilizados para essa finalidade incluem betabloqueadores (BB), bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridínicos (BCC), digoxina ou combinação dessas substâncias. Vale lembrar que a amiodarona pode ser utilizada no controle da frequência cardíaca, contudo, como também é uma droga antiarrítmica e apresenta alta toxicidade , deve ser considerada como última opção.
Os betabloqueadores são considerados os fármacos de primeira linha para o controle da FC no paciente com FA pela sua boa tolerabilidade, redução dos sintomas e melhora funcional. No paciente com disfunção ventricular, o betabloqueador permanece como fármaco de primeira escolha pelos seus conhecidos benefícios nessa população. Já nos pacientes com asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), os BB perdem espaço, uma vez que causam broncoespasmo. Nessas circunstancias, os bloqueadores de canal de cálcio passam a ser os medicamentos de primeira linha. Os BCC não devem ser usados nos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, pois possuem efeito inotrópico negativo.
A digoxina é a droga de segunda linha, pois existem relatos na literatura que mostram que esse medicamento aumenta a mortalidade em pacientes com FA. Sendo assim, utilizaremos digoxina somente nos casos em que o BB ou BCC não são tolerados pelo paciente ou quando o mesmo já está utilizando as duas drogas anteriormente mencionadas e, mesmo assim, não é possível controlar sua FC.
- Controle do ritmo no paciente com fibrilação atrial
A reversão aguda ao ritmo sinusal e a terapia de manutenção do ritmo sinusal são importantes estratégias no manejo do paciente com FA. Apesar da manutenção do ritmo sinusal parecer, intuitivamente, superior quando comparada à estratégia de controle da frequência, não há forte documentação científica dessa afirmação.
Pensando no controle do ritmo sinusal, o médico deverá avaliar a situação em que o paciente se encontra, pois há casos em que se deve realizar a cardioversão, outras passíveis de serem realizadas e outras que não devem serem feitas. Dito isso, o primeiro passo é determinar a estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, por consequência da FA, requerem cardioversão elétrica imediata. O segundo ponto que devemos considerar na avaliação de um paciente com FA antes de executar uma cardioversão, é a possibilidade de já haver um trombo dentro do coração. Essa preocupação decorre do fato que, ao realizarmos uma reversão inadvertida do ritmo, há grandes chances do trombo mover-se e ocasionar sérias complicações.
Há três maneiras de descartar a presença de trombos intracavitários. Para que isso seja realizado, o médico deverá investigar o histórico da fibrilação atrial no paciente, pois uma FA com duração menor a 48 horas tende a excluir trombos intracavitários. O mesmo ocorre com pacientes anticoagulados por mais de 3 semanas, mas atenção, é de suma importância que não haja falha terapêutica durante esse período. Por fim, a realização de um ecocardiograma transesofágico é, sem sombra de dúvidas, a melhor e mais confiável maneira para excluir tal diagnóstico.
Portanto, após essa avaliação inicial, se o paciente não preencher nenhum dos três critérios mencionados anteriormente, que nos permitem afirmar que não há trombo intracavitário, não podemos realizar a reversão da arritmia. Ou seja, nesses casos, os pacientes somente deverão ter a frequência cardíaca controlada e iniciar os medicamentos antitrombóticos. Já nos pacientes onde é possível excluir os trombos intracavitários, a cardioversão poderá ser realizada de forma química ou elétrica. Com base nisso, é consenso geral que a cardioversão eletiva deverá ser realizada nos seguintes pacientes:
– Pacientes em que o controle da frequência cardíaca tenha sido difícil.
– Pacientes que apresentem descompensação de insuficiência cardíaca relacionada ao surgimento da arritmia.
– Pacientes jovens, ou em primeiro episódio de FA.
– Pacientes com fator desencadeante reversível para a arritmia.
– Pacientes com átrio esquerdo normal ou com aumento discreto.
O uso de fármacos antiarrítmicos para a cardioversão química e manutenção do ritmo é comum no manejo clínico do paciente. Os medicamentos utilizados no Brasil com este fim são basicamente três, sendo eles a propafenona, sotalol e amiodarona. De fato, a escolha de tais medicamentos é estabelecida mais pelo seu perfil de segurança do que pela sua eficácia. O exemplo clássico é a amiodarona, que, apesar de apresentar superioridade frente a outros fármacos antiarrítmicos na manutenção do ritmo sinusal, tem seu uso restrito a pacientes com insuficiência cardíaca devido a seus efeitos tóxicos importantes com o uso prolongado. A propafenona e sotalol têm seu uso predominante no paciente sem doença cardíaca estrutural, lembrando que o sotalol pode prolongar o intervalo QT, e o monitoramento eletrocardiográfico é recomendado com o uso dessa medicação.
A ablação por cateter visando ao isolamento elétrico das veias pulmonares é o tratamento intervencionista largamente utilizado para a prevenção de recorrência de FA. De modo geral, a ablação por cateter é superior aos fármacos antiarrítmicos na manutenção do ritmo sinusal. Esses dados foram comprovados através do estudo CABANA, onde comparou a ablação por cateter com a terapia medicamentosa otimizada em pacientes com FA paroxística e persistente com o desfecho combinado de mortalidade total, AVC, sangramento maior e parada cardíaca. Após 5 anos de seguimento, não houve diferenças significativas entre as duas estratégias, mas as análises relacionadas à qualidade de vida demonstram uma melhora clínica significativa, e também na qualidade de vida dos pacientes submetidos à ablação.
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