Meningite – O que um médico precisa saber
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O termo meningite traduz a ocorrência de um processo inflamatório das membranas que envolvem o cérebro. As meningites de origem infecciosa, principalmente as causadas por bactérias e vírus, são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, pela magnitude de sua ocorrência e potencial de produzir surtos.
Agente etiológico
A meningite pode ser causada por diversos agentes infecciosos, como bactérias, vírus, fungos e agentes não infecciosos, como por exemplo o traumatismo e eventos cirúrgicos.
Segundo o ministério da saúde, os principais agentes infecciosos da meningite bacteriana em adultos são Neisseria meningitidis, Streptoccocus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Nos casos em que envolve neonatos, gestantes, idosos e imunodeprimidos, se agrega o microorganismo Listeria monocytogenes. O Mycobacterium tuberculosis é o agente causal da tuberculose, doença essa que pode causar meningite como uma de suas complicações.
O paciente com traumatismo craniano aberto tem risco aumentado de meningites causadas por microrganismos presentes na flora cutânea, como o S. aureus, S. epidermidis e, mais raramente, enterobactérias e anaeróbios.
Os pacientes hospitalizados em um período superior a 48 horas apresentam um risco aumentado a desenvolver meningite causada por microrganismos intra-hospitalares, como por exemplo S. aureus resistente a meticilina, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter.
O principal agente etiológico viral é o Enterovírus, contudo os vírus da Caxumba, Sarampo, Herpes simples, Varicela zoster, Epstein-Barr, Citomegalovírus, Arbovírus, Adenovírus e HIV também podem causar a meningite.
Os fungos também podem desenvolver meningite, e dentre eles se destacam o Cryptococcus neoformans, Cryptococcus gatti, Candida albicans e Candida tropicalis.
Epidemiologia
As meningites têm distribuição mundial e sua epidemiologia depende de diferentes fatores, como o agente infeccioso, a existência de aglomerados populacionais, características socioeconômicas dos grupos populacionais e do clima. De modo geral, a sazonalidade da doença caracteriza-se pelo predomínio das meningites bacterianas no inverno e das meningites virais no verão.
A N. meningitidis é a principal bactéria causadora de meningite. Apresenta distribuição mundial e acomete indivíduos de todas as faixas etárias, porém apresenta uma maior incidência em crianças menores de 5 anos, especialmente em lactentes entre 3 e 12 meses.
As meningites causadas pelo H. influenzae do tipo b (HIB) representavam a segunda causa de meningite bacteriana depois da Doença Meningocócica, até o ano de 1999. A partir do ano 2000, após a introdução da vacina, houve uma queda de 90% na incidência de meningites por esse agente.
A meningite pneumocócica pode ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequente em crianças menores de 5 anos. A infecção causada por essa bactéria está associada a uma letalidade mais elevada, quando comparada a N. meningitidis e HIB.
A meningite tuberculosa não sofre variações sazonais e sua distribuição é desigual ao redor do mundo. A doença guarda íntima relação com locais de baixa condição socioeconômica. Com relação à faixa etária, o risco de adoecimento é elevado nos primeiros anos de vida, muito baixo na idade escolar, voltando a se elevar na adolescência e no início da idade adulta.
A meningite viral também tem distribuição universal e potencial de ocasionar epidemias, principalmente relacionadas a Enterovírus. O aumento de casos pode estar relacionado a epidemias de varicela, sarampo, caxumba e a eventos adversos pós-vacinais.
Modo de transmissão
Em geral, a transmissão é de pessoa a pessoa, através das vias respiratórias, por gotículas e secreções da nasofaringe, havendo necessidade de contato íntimo ou contato direto com as secreções respiratórias do paciente. Residentes da mesma casa, pessoas que compartilham o mesmo dormitório, comunicantes de creche ou escola, namorado e trabalhadores da área da saúde apresentam risco maior de contaminação quando habitam ambientes com pessoas contaminadas.
O C. neoformans possui alta taxa de colonização em fezes de pombos, galinhas e aves silvestres, pois utilizam a amônia e a ureia para seu crescimento. Dito isso, áreas com elevado número de animais destas espécies favorecem a sua transmissão. Já o C. gatti é mais frequente em regiões subtropicais, pois seu crescimento é associado a cascas de eucaliptos. Os fungos do gênero Candida são geralmente adquiridos em hospitais.
A transmissão fecal-oral é de grande importância em infecções por enterovírus.
Período de incubação
Em geral, é de 2 a 10 dias, em média de 3 a 4 dias. Pode haver alguma variação em função do agente etiológico responsável. A meningite tuberculosa, em geral, ocorre nos primeiros 6 meses após a infecção.
Suscetibilidade
A susceptibilidade é geral, entretanto crianças menores de 5 anos e adultos maiores de 60 anos são mais suscetíveis à doença. Os neonatos raramente adoecem, em virtude da proteção conferida pelos anticorpos maternos. Essa imunidade vai declinando até os 3 meses de idade, com o consequente aumento da susceptibilidade.
Aspectos clínicos
- Avaliação inicial do paciente
A avaliação clínica rápida do paciente com suspeita de meningite é fundamental para obtenção de um melhor prognostico. O exame inicial do paciente deve envolver a análise dos sinais vitais, sinais de hipoperfusão, nível de consciência, sinais de irritação meníngea, déficits focais, alteração da marcha, pesquisa de disfunção orgânica e, ao suspeitar de meningite secundária, revisar os sítios cirúrgicos recentes.
Os sinais semiológicos mais utilizados na pratica médica para determinar irritação meningea são os de Brudzinski e Kerning, ambos apresentam baixa sensibilidade diagnóstica, porém são muito específicos para a meningite.
O sinal de Brudzinski é classicamente descrito como positivo quando o examinador faz a flexão do pescoço de um paciente em decúbito dorsal e nota que ocorre flexão dos joelhos e quadris. Já o sinal de Kerning o paciente estará em decúbito dorsal com a coxa fletida em 90º e, ao tentarmos estender a perna do membro fletido, ele oferecerá resistência e terá dor.
- Manifestações clínicas
Segundo o ministério da saúde, todo paciente que apresentar febre, cefaleia, rigidez de nuca, vômitos, sinais de irritação meníngea, convulsão, petéquias e torpor deve ser suspeito de meningite. Para crianças abaixo de nove meses, adiciona-se a irritabilidade e abaulamento de fontanela. A fotofobia e a dor retro orbitária também entram nos sintomas da doença.
As meningites viras apresentam um quadro clínico semelhante as demais meningites, contudo o exame físico chama a atenção o bom estado geral associado à presença de sinais de irritação meníngea.
- Manejo inicial
Todo paciente com meningite deverá apresentar cuidados de um paciente grave, começando pela monitorização de sinais vitais, oxigenoterapia se necessário for e a obtenção de um acesso periférico calibroso.
O hemograma e a hemocultura poderão ser solicitados para auxiliar no diagnóstico. Pacientes portadores de meningite bacteriana tendem a expressar leucocitose com desvio à esquerda com predomínio de polimorfonucleares, já nos casos de meningite viral, tuberculosa e fúngica a linfocitose é marcada.
A punção lombar (PL) é o próximo passo a ser realizado, contudo nem todas as pessoas podem se submeter a este procedimento sem antes realizar uma tomografia computadorizada (TC), pois alguns pacientes apresentam um risco aumentado para herniação cerebral. Pacientes imunossuprimidos, com histórico de doença a nível do sistema nervoso central (SNC), convulsão, papiledema, nível de consciência anormal e déficit neurológico focal deverão realizar TC antes da PL.
A obtenção do liquido cefalorraquidiano deverá ser realizada antes da utilização dos antimicrobianos, com o objetivo de obter maior positividade nas culturas. Em casos em que a PL não é possível de ser realizada, deve-se instituir o uso de antimicrobianos empírico e dexametasona imediatamente. A punção lombar deve ser instituída assim que possível.
Diagnóstico laboratorial
O diagnóstico laboratorial das meningites é realizado através do estudo do líquido cefalorraquidiano, sangue e raspado de lesões petequeais.
Os principais exames empregados para o esclarecimento diagnóstico são o exame quimiocitológico do líquor, bacterioscopia direta, cultura (líquor, sangue, petéquias ou fezes), contra-imuneletroforese cruzada e aglutinação pelo látex.
Embora inespecífico, a visualização do LCR de forma macroscópica nos auxilia a saber se há ou não comprometimento o líquido. O aspecto normal do LCR é transparente, citado como aspecto de “água de rocha”. Nos processos infecciosos, ocorre o aumento de células, causando turvação, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade e o tipo desses elementos.
A barreira hematoencefálica (BHE) é uma estrutura, contida no sistema nervoso central, que apresenta como funções a proteção inata contra infecções, distribuição de nutrientes e remoção de toxinas, além da proteção mecânica contra choques. Nos adultos, o liquido cefalorraquidiano apresenta normalmente até 5 leucócitos/mm³, contudo em neonatos esse valor pode chegar até 20 leucócitos/mm³. A hiperleucorraquia é o nome dado para a condição onde ocorre um aumento de leucócitos no LCR e é indicativo de processo inflamatório incipiente.
A glicose não penetra facilmente pela BHE, e por esse motivo a glicorraquia é cerca de 2/3 da glicose sérica. Nas meningites infecciosas com alto grau de inflamação, a glicose é consumida no metabolismo inflamatório e o paciente apresenta hipoglicorraquia marcada.
De maneira geral, as proteínas plasmáticas não devem ultrapassar a BHE com facilidade. Nas patologias inflamatórias do SNC, a barreira hematoencefálica apresenta um aumento na distância entre as células, facilitando a passagem de moléculas maiores e causando hiperproteinorraquia.
Tratamento
O tratamento da meningite bacteriana é realizado com antibiótico e deve ser feito o mais rápido possível, preferencialmente logo após a punção lombar e a coleta de sangue para hemocultura. O uso de antibiótico deve ser associado a outros tipos de tratamento de suporte.
Os antibióticos empregados no tratamento são utilizados frequentemente de forma empírica, se baseando na faixa etária e nos fatores de risco do paciente. A precocidade do tratamento e do diagnóstico é fator importante para o prognóstico satisfatório das meningites. De um modo geral, o período de tratamento com a antibioticoterapia é de 7 a 14 dias, sendo administrado de forma endovenosa. Existe algumas situações em que o tratamento deve ser prolongado, no qual dependerá da evolução clínica e do agente etiológico.
A dexametasona, por ter uma ação anti-inflamatória, reduzem o edema cerebral e complicações extra meníngeas. Estudos mostram que sua utilização nos casos de meningite edematosa (causadas pelo S. pneumoniae e pelo H. influenzae) apresentam bons resultados. Caso outros agentes etiológicos sejam confirmados, a corticoterapia deverá ser interrompida.
Nos casos de meningite viral, o uso de antiviral específico não tem sido amplamente utilizado, pois a maior parte das doenças são autolimitadas e de caráter benigno. Em geral, utiliza-se o tratamento de suporte, com criteriosa avaliação e acompanhamento clínicos. Tratamentos específicos somente são utilizados para a meningite herpética, e para isso utilizaremos o aciclovir endovenoso. Na caxumba, a globulina específica hiperimune pode diminuir a incidência de orquite, porém não melhora a síndrome neurológica.
O tratamento de indução da meningite fúngica, principalmente a causado pelo gênero Cryptococcus spp., é realizado utilizando duas drogas (Anfotericina B lipossomal e 5-flucitosina) durante um período de 14 dias. O manejo de hipertensão intracraniana com punções lombares de alívio sequenciais deve ser empregado e é essencial até sua normalização. A terapia de consolidação visa evitar a reativação do fungo e é feita utilizando fluconazol durante 8 semanas. Já a fase de manutenção utiliza-se o fluconazol em doses mais baixas por um período de 6 a 12 meses.
Faixa etária | Antibióticos |
Até 2 meses | Cefotaxima + ampicilina ou ampicilina + aminoglicosídeo (gentamicina ou amicacina) |
Maior de 2 meses e Adultos | Ceftriaxona |
Idosos (> 60 anos), imunodeprimidos e gestantes | Ceftriaxona + ampicilina |
Vigilância epidemiológica
O Sistema de Vigilância das Meningites compreende todas as atividades e atores envolvidos desde a identificação de um caso suspeito até a adoção das medidas de prevenção e controle da doença na comunidade. O controle epidemiológico visa monitorizar a situação a nível nacional desta patologia, com o intuito de empregar medidas de prevenção e controle disponíveis.
Todo paciente com suspeita de meningite deverá ter seu caso notificado de forma imediata, em até 24 horas. Além disso, antes mesmo que defina a etiologia da meningite, é preconizado a profilaxia das pessoas próximas ao paciente nas primeiras 48 horas. Esta medida visa evitar a disseminação de cepas invasivas de H. Influenzae e N. meningitidis. A droga de escolha é a Rifampicina.
Referências:
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