Pré-eclâmpsia – Como diagnosticar? Qual o tratamento correto?

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A pré-eclâmpsia apresenta uma incidência de 2 a 8% de todas as gestações, sendo essa patologia a principal causa de morte materna no Brasil.

Doenças hipertensivas específicas da gestação

A doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) engloba as doenças hipertensivas que ocorrem apenas na gestação e no puerpério. Essas patologias têm, em comum, o aumento dos níveis pressóricos a partir de 20º semana de gestação, e desaparecimento depois de 12º semana após o parto.

Pré-eclâmpsia

A pré-eclâmpsia é a principal forma clínica de DHEG e caracteriza-se por uma desordem multissistêmica progressiva, específica da gestação, que cursa com aumento dos níveis pressóricos após 20 semanas de gestação, associado à proteinúria ou lesão de órgão-alvo materno ou disfunção útero placentária.

Durante o quadro clínico clássico da pré-eclâmpsia, é possível observar hipertensão arterial, edema de face/mãos/pés e proteinúria após a vigésima semana de gestação. Contudo, muitas vezes essa doença inicia-se assintomática, apenas com o aumento dos níveis pressóricos.

Fatores de risco para pré-eclâmpsia

Os principais fatores de risco para desenvolver as doenças hipertensivas específicas da gestação são a nuliparidade, pré-eclampsia ou eclampsia ou síndorme HELLP em gestação anterior; história familiar de pré-eclampsia; doenças preexistentes como hipertensão crônica, diabetes, doença renal e trombofilias; obesidade; gestação gemelar e a moléstia trofoblástica gestacional. Além disso, o nível socioeconômico desfavorável, idade materna avançada, lúpus, síndrome do anticorpo antifosfolípide e apneia obstrutiva do sono aumentam o risco dessas patologias.

Predição e prevenção da pré-eclâmpsia

Predizer quais gestantes apresentarão pré-eclampsia é fundamental para um bom manejo gestacional, uma vez que existe medidas de prevenção de fácil acesso.

O American College of Obstetrician and Gynecologists (ACOG) classificou em alto e moderado os fatores de risco para desenvolver a DHEG. De acordo com as suas diretrizes, uma gestação de alto risco para o desenvolvimento de pré-eclampsia é constituída de um único fator de risco alto ou dois fatores de risco moderados.

Risco altoRisco moderado
História pregressa de pré-eclâmpsiaPrimiparidade
Hipertensão arterial crônicaObesidade (IMC >30)
Diabetes Mellitus tipo 1 e tipo 2História familiar de pré-eclâmpsia
Doença renalIdade materna > 35 anos
  Doenças autoimunesCaracterísticas sociodemográficas (negras, vulnerabilidade socioeconômica)
Gestação múltiplaIntervalo interpartal > 10 anos
  Doença trofoblástica gestacionalMal passado obstétrico, baixo peso ao nascer ou pequeno para idade gestacional

Diante de gestantes com alto risco de desenvolver pré-eclâmpsia, a prevenção primária consiste na administração de aspirina em baixa dose (75-150 mg) diariamente, com início antes de 16 semanas de gestação, até o parto. Este tratamento preventivo é seguro para o feto e se justifica se pensarmos na etiopatogenia inflamatória da doença, no qual há um desequilíbrio na relação prostaciclina/tromboxano, e o ácido acetilsalicílico tende a equilibrar esses valores novamente.

Outro tratamento preventivo da pré-eclampsia é a suplementação de 2 gramas de cálcio por dia. Tal tratamento é recomendado para mulheres cuja a ingesta deste mineral se encontra defasada.

Diagnóstico de pré-eclâmpsia

O edema na gestação é um sinal de alerta para um possível desenvolvimento de DHEG. O aumento do peso na gravidez de mais de 1kg em uma semana auxilia na identificação de edema na gestação. Posto isso, em tal situações o médico deve ficar atento a este provável diagnóstico.

O primeiro passo para realizar o diagnóstico de pré-eclâmpsia consiste na aferição pressórica da gestante. Valores de PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg, confirmados após quatro horas, confirmam o diagnóstico de hipertensão arterial na gestação. Em situações em que o valor de PAS se encontra ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 110 mmHg, o tempo de confirmação é reduzido para quinze minutos uma vez que o diagnóstico necessita ser realizado rapidamente.

A vista disso, na presença de hipertensão e edema durante o pré-natal, deve-se fazer uma investigação detalhada, observando proteinúria e alterações de órgãos-alvo. Além da proteinúria, outros exames laboratoriais podem ser solicitados, tais como: hemograma completo, transaminases (TGO e TGP), bilirrubinas, desidrogenase lática (DHL) ou esquizócitos, ureia, creatinina, ácido úrico e dopplervelocimetria obstétrica.

A proteinúria é diagnosticada na gestação quando há 300mg ou mais de proteína excretada pela urina no período de 24h. A relação proteína/creatinina dosadas em amostra de urina simples fornece um resultado mais rápido quando é necessária uma conduta obstétrica. Valores iguais ou maiores que 0,3mg/dL são indicativos de proteinúria significativa.

Em ausência de proteinúria, a hipertensão arterial após a 20º semana de gestação, juntamente com as alterações de órgão-alvo materno, valida o diagnóstico de pré-eclâmpsia.

Disfunção de órgão-alvo materno
    Alterações hematológicasTrombocitopenia       (Plaquetas < 150.000)Hemólise (DHL > 600 UI/L) Coagulação intravascular disseminada
  Insuficiência renalCreatinina sérica >1,1 mg/dL ou duplicação da creatinina basal na ausência de outra doença renalElevação de ácido úrico a valores superiores a 6 mg/dL
Disfunção hepáticaElevação das transaminases 2 vezes o normal
Disfunção a nível pulmonarEdema pulmonar

Alguns sintomas relacionados a disfunção de órgão-alvo indicam gravidade da doença, por isso devem ser valorizados, sendo eles: cefaleia, epigastralgia, dor em hipocôndrio direito, oligúria, alterações visuais, alteração do estado mental e convulsão.

Sinais de disfunção uteroplacentária como restrição de crescimento fetal, alteração do doppler da artéria umbilical e morte fetal, associados ao aumento dos níveis pressóricos após 20 semanas, também recebem o diagnóstico de pré-eclâmpsia, independentemente de apresentarem proteinúria ou outras lesões de órgãos-alvo.

Classificação da pré-eclâmpsia quanto a gravidade

A classificação da pré-eclâmpsia em relação a sua gravidade é fundamental para a escolha do tratamento.

A pré-eclâmpsia não grave se observa em gestantes portadores de hipertensão arterial menor a 160/110 mmHg, e ausência de sinais e sintomas de disfunção significativa de órgãos-alvo ou uteroplacentária.

A pré-eclampsia é considerada grave em duas situações. A primeira delas é quando os níveis pressóricos da gestante são maiores ou igual a 160/110 mmHg, e não respondem de maneira positiva ao tratamento anti-hipertensivo. Já a segunda situação se observa em gestantes hipertensas que apresentam sinais e sintomas de disfunção significativa de órgãos-alvo ou uteroplacentária.

Tratamento clínico da pré-eclâmpsia

O objetivo do tratamento da pré-eclâmpsia é prevenir as complicações materno-fetais, e para isso devemos executar as melhores condutas de acordo com a gravidade da doença.  

Gestante portadoras de pré-eclâmpsia leve podem ter tratamento ambulatorial. O médico deve, primeiramente, encaminhar a gestante ao pré-natal de alto risco. É essencial fazer controle diário da pressão arterial, ter uma dieta equilibrada e reduzir atividade física para controlar o fluxo sanguíneo uteroplacentário. A paciente é instruída a permanecer a maior parte do tempo no leito, em decúbito lateral esquerdo, a fim de aumentar o fluxo plasmático renal e o fluxo uteroplacentário, e diminuir os níveis de pressão arterial. Além disso, é advertida a comparecer ao hospital a qualquer hora e relatar imediatamente sintomas como cefaléia, dor epigástrica, transtornos visuais, edema generalizado de instalação rápida e diminuição nítida do volume urinário. É avaliada semanalmente, quando é submetida a exame clínico, proteinúria e provas de vitalidade fetal. A internação hospitalar deve ocorrer em casos de hipertensão refratária ao tratamento medicamentoso máximo, na suspeita de pré-eclâmpsia grave ou para melhor avaliação da vitalidade fetal. Recomenda-se resolver a gestação ao redor de 37 semanas, porém é possível manter a gestação até 40 semanas monitorando a pressão arterial, sintomas, exames laboratoriais e vitalidade fetal. O parto vaginal é a via de escolha.

Diante de um quadro sugestivo de pré-eclâmpsia grave, a gestante deve ser internada e permanecer em repouso relativo. Os níveis pressóricos da gestante e a vitalidade fetal devem ser avaliados, assim como realizar a estabilização hemodinâmica da gestante e solicitar exames laboratoriais para investigar disfunção de órgão-alvo. Caso seja confirmado o quadro de pré-eclâmpsia grave, ou uma de suas complicações, o mais importante na conduta é prevenir a ocorrência de convulsões com a aplicação do sulfato de magnésio e fazer o controle da hipertensão arterial grave com anti-hipertensivos.

Nos casos de pré-eclâmpsia grave, quando a primeira manifestação hipertensiva aparece numa gestante de termo ou próximo a ele, a conduta a ser seguida é a realização do parto. Há, entretanto, um contingente de mulheres em que a hipertensão se instala de forma grave e precoce na gestação, exigindo a antecipação do parto o que aumentará o risco do recém-nascido em decorrência da prematuridade. Contudo, quando a vida da mãe está em risco, não há dúvida que o parto é a decisão correta.

A terapêutica anti-hipertensiva, adequadamente utilizada, melhora o prognóstico materno-fetal, previne a deterioração da hipertensão, protege a mãe contra crises hipertensivas e prolonga a duração da gestação.

Nos casos de pré-eclâmpsia não grave, a droga anti-hipertensiva de escolha é a metildopa. Deve-se iniciar com dose de 500 a 750 mg/dia e aumentar, caso necessário. A dose máxima é de 2g/dia, dividida em até 4 tomadas. Caso a pressão arterial mantenha-se alterada, mesmo com dose máxima de metildopa, faz-se necessário associar um segundo anti-hipertensivo, podendo ser um bloqueador do canal de cálcio (anlodipina ou nifedipina), um bloqueador beta-adrenérgicos (metoprolol ou pindolol) ou a hidralazina via oral. A associação máxima recomendada é de três drogas anti-hipertensivas. Importante recordar que o uso dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (captopril, enalapril), os antagonistas dos receptores da angiotensina II (losartana) e os inibidores diretos da renina (aliskiren) são proibidos na gestação por provocarem malformação fetal.

O controle da hipertensão arterial na pré-eclâmpsia grave é importante para prevenir falência cardíaca, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico. As medicações de escolha para o controle da hipertensão arterial grave na gestação são hidralazina endovenosa e nifedipina oral. Caso a hipertensão arterial grave seja refratária a essas medicações, utiliza-se o nitroprussiato de sódio endovenoso em bomba de infusão. Devem-se evitar quedas bruscas de pressão arterial, pelo risco de diminuição do fluxo sanguíneo nos territórios cardíaco, cerebral e placentário.

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